(Por ironia do destino, a experiência municipal de Barcelona
protagonizada por Ada Colau passa esta semana do céu ao inferno: surge com evidência
na New Yorker e atravessa a sua maior crise política interna, indo para férias
acossada pela oposição. Oportunidade para algumas reflexões em torno
da tomada de poder pelo ativismo municipal.)
A experiência política de governação protagonizada
em Barcelona pela ativista Ada Colau e pelo seu movimento Barcelona en Comú tem sido seguida com alguma curiosidade e atenção,
designadamente por mim próprio neste blogue. Várias razões contribuem para esse
interesse. Primeiro, Colau e o Barcelona
en Comú têm habilmente se distanciado do independentismo catalão mais
radical, trocando as vias do separatismo pelo internacionalismo municipalista e
ativista, não deixando de lutar pela possibilidade de pronunciamento em
referendo. Segundo, porque tem mantido alguma colaboração com a força política
radical nacional do PODEMOS, trazendo novas nuances ao radicalismo político em
Espanha. Terceiro, e principalmente, porque o Barcelona en Comú provém do ativismo do movimento dos indignados,
partilhando por isso a crítica ao sistema político e partidário mais tradicional.
Quarto, porque representa uma das raras tomadas de poder de uma experiência municipal
por parte do ativismo internacionalista, suscitando a questão da sua preparação
e da avaliação do seu desempenho. Se comparamos o trajeto de Colau em Barcelona
com o do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, este último, com Robles à mistura,
é uma brincadeira de meninos face ao radicalismo de Colau. Não esqueçamos que o
ativismo de Colau teve nas lutas em torno do direito à habitação o seu caldo de
experiência. Por isso mesmo, o município de Barcelona, na sua fase Colau, é dos
que se tem destacado a nível internacional pela defesa dos direitos da população
em zonas de pressão e gentrificação associadas ao turismo.
Na última semana, a vida de Colau tem-se
caracterizado por extremos.
No plano internacional, a New Yorker, pela pena de Masha Gessen (link aqui),
dedica-lhe um artigo como um exemplo do radicalismo municipalista mais
avançado, destacando o seu internacionalismo e a defesa do espaço público como prioridade
inalienável do localismo democrático. Colau refere à jornalista da New Yorker que
“o espaço público é o lugar por excelência para a democracia:
é o espaço que pertence a todos nós”. Não espanta por isso que a
gestão de Colau esteja focada na gestão coletiva do espaço e dos recursos da
cidade, na disponibilização de edifícios públicos à população, nas questões da
energia e na regulação ds efeitos do turismo sobre a habitação. A jornalista da
New Yorker refere ainda a dimensão feminista da governação municipal, o que lhe
tem granjeado novas ligações internacionais.
Porém, no plano interno, o governo municipal
de Colau vive uma situação de pressão e pesadelo como nunca tinha sido
registada até agora com o pedido de demissão das funções de segurança da Cidade.
Toda a oposição em bloco, com exceção dos radicais independentistas da CUP, votou
pela demissão da autarca atendendo ao pretenso caos de segurança que a cidade
estará a atravessar. Problemas de insegurança urbana de vária ordem, descontrolo
da prostituição, das vendas ambulantes, consumo de droga são referenciados na votação
da oposição como descrevendo uma situação aparentemente caótica. Tive o cuidado
de percorrer alguns diários com expressão em Barcelona, como a La Vanguardia e
outros e. de facto, a série de incidentes de insegurança urbana referenciados é
vasto e sugere um padrão que não é típico de uma cidade europeia e cosmopolita.
Mesmo admitindo algum excesso de impressionismo pontual, não me custa admitir que
o Barcelona en Comú mostre sinais de
incompetência na gestão urbana corrente. Barcelona não é uma cidade qualquer,
suscitando a questão de saber se o ativismo radical municipalista está em
condições de responder ao desafio. Mas também é visível que, na situação política
atual da Catalunha, Barcelona é algo muito apetecível. Embora em contradição
com o apoio da CUP, as forças independentistas sabem que um governo da Cidade não
totalmente alinhado com o independentismo prejudica a sua causa. Assistiremos
por isso nos próximos tempos a uma intensa luta política em torno da governação
municipal.
Tal como a experiência dos diferentes movimentos
MAREA que governam algumas cidades galegas o vem mostrando, o ativismo
municipal internacionalista dá mostras de não estar preparado para algumas dimensões
da governação municipal. A questão está em saber se terá ou não a lucidez de
colmatar esses défices de competência com o reforço técnico e as alianças políticas
mais sensatas. Caso contrário, corre o risco de ficar afastado do poder por
algum tempo, por mais promissoras que sejam algumas das suas bandeiras.
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