quinta-feira, 9 de agosto de 2018

RADICALISMO MUNICIPAL EM CRISE



(Por ironia do destino, a experiência municipal de Barcelona protagonizada por Ada Colau passa esta semana do céu ao inferno: surge com evidência na New Yorker e atravessa a sua maior crise política interna, indo para férias acossada pela oposição. Oportunidade para algumas reflexões em torno da tomada de poder pelo ativismo municipal.)

A experiência política de governação protagonizada em Barcelona pela ativista Ada Colau e pelo seu movimento Barcelona en Comú tem sido seguida com alguma curiosidade e atenção, designadamente por mim próprio neste blogue. Várias razões contribuem para esse interesse. Primeiro, Colau e o Barcelona en Comú têm habilmente se distanciado do independentismo catalão mais radical, trocando as vias do separatismo pelo internacionalismo municipalista e ativista, não deixando de lutar pela possibilidade de pronunciamento em referendo. Segundo, porque tem mantido alguma colaboração com a força política radical nacional do PODEMOS, trazendo novas nuances ao radicalismo político em Espanha. Terceiro, e principalmente, porque o Barcelona en Comú provém do ativismo do movimento dos indignados, partilhando por isso a crítica ao sistema político e partidário mais tradicional. Quarto, porque representa uma das raras tomadas de poder de uma experiência municipal por parte do ativismo internacionalista, suscitando a questão da sua preparação e da avaliação do seu desempenho. Se comparamos o trajeto de Colau em Barcelona com o do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, este último, com Robles à mistura, é uma brincadeira de meninos face ao radicalismo de Colau. Não esqueçamos que o ativismo de Colau teve nas lutas em torno do direito à habitação o seu caldo de experiência. Por isso mesmo, o município de Barcelona, na sua fase Colau, é dos que se tem destacado a nível internacional pela defesa dos direitos da população em zonas de pressão e gentrificação associadas ao turismo.

Na última semana, a vida de Colau tem-se caracterizado por extremos.

No plano internacional, a New Yorker, pela pena de Masha Gessen (link aqui), dedica-lhe um artigo como um exemplo do radicalismo municipalista mais avançado, destacando o seu internacionalismo e a defesa do espaço público como prioridade inalienável do localismo democrático. Colau refere à jornalista da New Yorker que “o espaço público é o lugar por excelência para a democracia: é o espaço que pertence a todos nós”. Não espanta por isso que a gestão de Colau esteja focada na gestão coletiva do espaço e dos recursos da cidade, na disponibilização de edifícios públicos à população, nas questões da energia e na regulação ds efeitos do turismo sobre a habitação. A jornalista da New Yorker refere ainda a dimensão feminista da governação municipal, o que lhe tem granjeado novas ligações internacionais.

Porém, no plano interno, o governo municipal de Colau vive uma situação de pressão e pesadelo como nunca tinha sido registada até agora com o pedido de demissão das funções de segurança da Cidade. Toda a oposição em bloco, com exceção dos radicais independentistas da CUP, votou pela demissão da autarca atendendo ao pretenso caos de segurança que a cidade estará a atravessar. Problemas de insegurança urbana de vária ordem, descontrolo da prostituição, das vendas ambulantes, consumo de droga são referenciados na votação da oposição como descrevendo uma situação aparentemente caótica. Tive o cuidado de percorrer alguns diários com expressão em Barcelona, como a La Vanguardia e outros e. de facto, a série de incidentes de insegurança urbana referenciados é vasto e sugere um padrão que não é típico de uma cidade europeia e cosmopolita. Mesmo admitindo algum excesso de impressionismo pontual, não me custa admitir que o Barcelona en Comú mostre sinais de incompetência na gestão urbana corrente. Barcelona não é uma cidade qualquer, suscitando a questão de saber se o ativismo radical municipalista está em condições de responder ao desafio. Mas também é visível que, na situação política atual da Catalunha, Barcelona é algo muito apetecível. Embora em contradição com o apoio da CUP, as forças independentistas sabem que um governo da Cidade não totalmente alinhado com o independentismo prejudica a sua causa. Assistiremos por isso nos próximos tempos a uma intensa luta política em torno da governação municipal.

Tal como a experiência dos diferentes movimentos MAREA que governam algumas cidades galegas o vem mostrando, o ativismo municipal internacionalista dá mostras de não estar preparado para algumas dimensões da governação municipal. A questão está em saber se terá ou não a lucidez de colmatar esses défices de competência com o reforço técnico e as alianças políticas mais sensatas. Caso contrário, corre o risco de ficar afastado do poder por algum tempo, por mais promissoras que sejam algumas das suas bandeiras.

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