(A família do José Afonso mostrou que está atenta ao mais profundo das
convicções do ativista, resistente, compositor e artista. Não está disposta a
entrar nisso de Panteão e até
indicou um rumo para honrar verdadeiramente a obra do Zeca. Mas que mensagem de
lucidez e dignidade!)
Os portugueses
pelam-se por controvérsias e reivindicações em torno dos símbolos oficiais da
Nação. O Panteão está entre esses símbolos. Quem deve ou não deve estar é uma
questão que tem andado por aí, solenidade a toda a prova, mas ainda recentemente
veio a saber-se que o Panteão tem sido um equipamento utilizado para gerar receita
num depauperado Ministério da Cultura. Tudo isto é simbólico de um conceito muito
formal de cultura, o que para mim é contraditório com o próprio conceito, mas
isso levar-nos-ia demasiado longe.
Esta semana
a Sociedade Portuguesa de Autores, com José Jorge Letria a tomar a palavra e a defender
o argumento, veio à liça defendendo a ida dos restos mortais de José Afonso
para o Panteão, invocando sobretudo a sua relação com Abril e a liberdade. Nestas
coisas deveria ter-se perguntado se tal decisão estaria ou não em linha com o
pensamento em vida do Zeca, com a sua maneira de viver e de estar no País. Aparentemente,
a SPA desligou-se dessa importante referência.
A família do
Zeca, num registo de grande lucidez e dignidade, veio corrigir a proposta,
afirmando que a ida para o Panteão seria uma contradição com a maneira de pensar
do compositor, enterrado por sua própria e livre vontade em campa rasa, em Setúbal.
E não se ficou por aí. Veio defender que a melhor forma de honrar a obra e o legado
do Zeca seria criar as condições para uma efetiva e segura preservação da música
que ele sabia fazer, tratando de salvar todas as gravações conhecidas e disponíveis
do autor. Ou seja, aparentemente uma preocupação que deveria ser mais relevante
para a SPA do que a defesa do Panteão.
Benditos os que
desaparecem e que as respetivas famílias mostram estar à altura do seu pensamento.
Tudo o resto é acessório.
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