(Escreve-me o amigo Pedro de Souza evidenciando os sinais de que a esquerda
no Brasil possa ter nas próximas eleições uma ampla vitória, mais provável se
Lula puder ser candidato, mas ainda possível se Haddad (Andrade para o povo)
substituir Lula. Reproduzo com agrado o seu
artigo no Jornal do Brasil.)
“O Brasil,
três anos depois
Três anos
atrás organizei para o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o
Desenvolvimento a obra “Brasil, sociedade em movimento” (ed. Paz e Terra). A
crise alastrava e, embora aquilo que iria acontecer superasse tudo o que
poderíamos imaginar, era claro que se entrava numa nova fase do processo
político do país. Reunimos, então, um amplo espectro do pensamento progressista
no Brasil para montar um diagnóstico e propor saídas.
Não há
necessidade de voltar ao que se passou nos anos seguintes. O governo Temer, e
seus aliados, puseram em execução uma pauta política sem aprovação das urnas,
nomeadamente a PEC do Teto de Gastos, uma medida de incalculáveis e funestas
consequências. A essas iniciativas somou-se uma atividade judiciária que
revelou a gravidade da corrupção no Brasil, porém escorregando amiúde na
ortodoxia legal: a Justiça não acabou com a corrupção e é provável que saia
dessa investida mais fragilizada, ela mesma, do que a própria corrupção.
Com as
eleições presidenciais, tudo isso passa para segundo plano, é hora de decretar
que chegou o fim do recreio, de passar a coisas sérias, a propostas que
assegurem o futuro do país e o bem-estar do conjunto do povo brasileiro.
Qualquer um
que siga a imprensa internacional, como é o meu caso desde que retornei a
Lisboa, sabe que nesses três anos muita coisa mudou no mundo. A problemática do
aquecimento global e do acesso à água, além das migrações em massa, adquiriram
uma influência predominante, e remetem a duas questões históricas da sociedade
brasileira, a dos direitos humanos e da desigualdade de renda, e a da Amazónia,
nunca encaradas com o rigor necessário.
É um fato
indesmentível que será necessária muita legitimidade institucional para que o
Brasil preserve a soberania sobre a Amazônia, que é essencial à sobrevivência
da humanidade, dado o manancial de recursos que ela encerra. E essa
legitimidade só poderá ser alcançada de novo se o Brasil tiver um Executivo
forte e fiável, prestigiado internacionalmente, respeitador dos tratados que
subscreveu, dos direitos dos cidadãos e dotado de estabilidade jurídica.
Questões como a da indução à morte do reitor Cancellier, ou do assassinato até
hoje não elucidado de Marielle Franco, não são toleráveis. E é claro que a
eventual continuidade do encarceramento do ex-presidente Lula constitui no
mínimo uma herança envenenada para o novo presidente.
Não pode
haver defesa dos interesses nacionais se não se impuser uma ideia que não
parece ter criado raízes neste país: “Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem
agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Trata-se do artigo
primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Todos os seres
humanos”, os nacionais e os que não o são: não pode haver nacionalismo legítimo
se não for baseado num humanismo de âmbito universal, se o ódio e o racismo não
forem banidos.
Para que o
Brasil volte ao concerto das nações é preciso que os brasileiros, que gostam de
raciocinar em termos de economia doméstica, se convençam de que não existe
desenvolvimento apenas para alguns. O nosso livro, publicado há apenas três
anos, além de apontar as falhas do modelo económico então vigente, indicava
algumas saídas. Todas elas implicam na recusa de uma acumulação de riqueza como
a que reina no Brasil, insustentável em qualquer país civilizado. Todos os
brasileiros são feitos dos mesmos ingredientes, o calor do forno é o mesmo para
todos, não há como saírem no mesmo tabuleiro, de um lado pipocas, do outro as
mais finas pâtisseries parisienses. Não adianta se fechar em condomínios
privados: o condomínio se chama Brasil, e o mundo não espera pelos que querem
voltar ao século 19”.
Pedro de
Souza. Pesquisador. Ex-superintendente executivo do Centro Internacional Celso
Furtado de Políticas para o Desenvolvimento
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