terça-feira, 28 de agosto de 2018

PODERIA TER SIDO DIFERENTE?



(A controvérsia em torno do vídeo institucional de Centeno celebrando a saída da Grécia do resgate financeiro veio suscitar de novo a questão se a gestão europeia das duas crises, dos impactos de 2007-2008 e das dívidas soberanas, poderia ter sido diferente. É verdade que os países mais atingidos apresentavam situações diversas em termos de pecadilhos internos, mas é sobretudo uma alternativa global de intervenção que pode ser discutida à distância de quase uma década)

O vídeo institucional de Centeno deixou marcas a vários níveis, sobretudo no pensamento que vai germinando em torno da geringonça. Como referi em post dedicado à matéria, aparecer alguém que coordenou um programa económico de governo que se pretendia alternativo às teses do diretório europeu, do lado de lá, e com aquele rosto que não ajudaria ninguém, a comemorar o êxito da intervenção na Grécia (economia onde os efeitos destruidores da terapia foram mais intensos) teria necessariamente de irritar os mais pacatos.

Quando Centeno aceitou o cargo de Presidente do Eurogrupo todas essas contradições possíveis foram antecipadas. Foi avisado com tempo. Nesse contexto, aceitando o cargo, Centeno assumiu inevitavelmente as custas do processo. Que se amanhe. Não é essa, porém, a questão mais importante. A questão relevante, cuja discussão foi perdendo força à medida que os países tiveram as suas saídas dos resgates, é a de saber se a União Europeia poderia ter gerido de forma diferente as duas crises.

A discussão não é fácil porque envolve os chamados contrafactuais históricos. O que teria acontecido se a gestão fosse diferente e em que moldes e com que margem de diferença? A complexidade desse contrafactual é reconhecida, agravada ainda pela diversidade dos pecadilhos internos dos países envolvidos.

Fui encontrar nos meus arquivos um artigo de fevereiro de 2015, de David Beckworth (link aqui)  no Macro Musings Blog que tem a curiosidade de pegar o touro pelos cornos e candidatar-se a discutir o “contrafactual da zona euro”. Vale a pena por isso ser resgatado do arquivo.

A análise de Beckworth começa por evidenciar as mais do que estranhas decisões do BCE de aumentar as taxas de juro de referência em 2008 e 2011 em contraponto com a rápida decisão do FED-USA de fazer descer as taxas de juro de referência. O BCE haveria depois por reatividade às ameaças que pesavam sobre o euro de praticar o já célebre “fazer o que for necessário”, injetando liquidez no sistema. Mas em termos de resposta ao problema imediato, as subidas das taxas de referência em 2008 e 2011 ficarão como decisões incompreensíveis para a história monetária futura. O gráfico que abre este post compara a evolução da despesa monetária na zona euro e nos USA e o confronto é esclarecedor, apesar dos EUA em 2010 terem iniciado um ligeiro aperto fiscal.

Beckworth refere o aspeto relevante de que um maior ativismo monetário do BCE teria determinado o incremento da taxa de inflação nos países do Norte mais próximos do pleno emprego, gerando uma subida de preços mais forte do que na periferia e por essa via um ajustamento menos penoso e deflacionário na periferia.

O argumento essencialmente apresentado pelos alemães na época para contrariar o ajustamento via subida de preços a norte consistia em afirmar que a crise europeia a sul era uma crise de dívida e não uma crise monetária. Embora a situação de Portugal no plano comparativo não alinhe com o argumento geral, por cá havia também um problema de dívida associado a uma distorcida afetação de recursos em favor dos não transacionáveis, no plano europeu a revisita dos números leva-nos a um crise monetária e não a uma crise de dívida. Os gráficos abaixo sugerem que foi a crise que fez disparar a dívida, com muita clareza no caso espanhol.



O artigo de Beckworth concluía em 2015 que as subidas de taxas de referência pelo BCE em 2008 e 2011 e o início tardio do processo de injeção de liquidez (quantitative easing) são elementos visíveis de um contrafactual penalizador para a periferia europeia.

Três anos depois não temos a mínima convicção, com ou sem Centeno, de que perante uma nova contrariedade de mercado a resposta seja substancialmente diferente. A teimosia alemã continua por abater e o pensamento económico alternativo largou a presa, por outras palavras, perdeu força para gerar uma alternativa macroeconómica nas instituições europeias. Como sabemos, a geringonça não chega para inverter o rumo das coisas. E temos problemas e pecadilhos internos para resolver. Entre outras nuvens, nos destroços de Pedrogão reergue-se um país de cumplicidades que não queremos que seja assim.

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