quarta-feira, 15 de agosto de 2018

VIGO E GÉNOVA



(Dois colapsos, um de proporções bem mais trágicas do que o outro, trazem de novo à reflexão a questão da saúde das infraestruturas, relembrando que o seu tempo não passou ao contrário do que muitos nos fizeram crer. Não sem surpresa, o populismo reinante aproveita despudoradamente a tragédia dos outros.)

O abatimento do pavimento do recinto do Porto de Vigo em que decorria um espetáculo musical noturno do evento do Marisquiño naquela cidade galega anunciou com antecipação a dimensão de uma tragédia que o poderia ter sido. A baixa altura em que o pavimento se encontrava face às águas do porto terá limitado a dimensão trágica do acontecimento, a que acresceu a rápida intervenção de embarcações nas proximidades, limitando-a a um conjunto elevado de feridos. O empurra-empurra de responsabilidades que se manifestou após o abatimento entre o empertigado alcalde socialista de Vigo, AbelCaballero, os responsáveis do Porto de Vigo e a própria Xunta de Galicia que não resistiu a entrar no bate papo político-punitivo é bem típico do estado a que se chegou em matéria de infraestruturas em alguns países e regiões europeus. A política de infraestruturas, sobretudo aquela que se dedica a assegurar aos cidadãos condições de segurança e proteção, deixou de estar no topo das preocupações dos governos, substituída pela política das infraestruturas de prestígio, que os “marketers” adoram.

Uns dias depois, para tragédia dos italianos que cruzam a cidade de Génova no seu vai-e-vem diário ou de passagem para outras regiões de Itália, o colapso da ponte-viaduto Morandi atingiu proporções tais que passará a constituir nos próximos o exemplo mais tenebroso de incúria ou de desconhecimento da ideia de que uma infraestrutura também se abate. O populismo feito governo em Itália rapidamente elegeu os seus inimigos de estimação para sacudir a sua responsabilidade. O 5 Estrelas focou-se na concessionária da autoestrada, rapidamente identificada como ligada a um grupo financeiro com sede no Luxemburgo, logo não pagando impostos em Itália e o discurso musculado da multa de 150 milhões de euros marcou a retaguarda política. Por sua vez, Salvini da Liga, virou-se para o seu próprio inimigo de estimação, a União Europeia, e indicou as políticas de austeridade europeias como as responsáveis pela não libertação de fundos para a manutenção/conservação de infraestruturas.

Tudo isto sem ainda estar disponível uma explicação cabal do colapso da Morandi, que tanto pode decorrer de uma falha de conceção engenharial com efeitos retardados no tempo ou de manutenção deficiente.

A política europeia é em parte responsável pela ilusão de que o desenvolvimento económico não necessita mais de investimento infraestrutural, abordagem bem mais idiota do que apertar o cerco à fundamentação dos investimentos em infraestruturas. As boas graças do imaterial e mais recentemente a tentação do digital tornaram antiquadas as velhas políticas de infraestruturas, com reflexos sérios no risco da sua utilização. Proibir o financiamento de infraestruturas com o argumento de que os países usaram e abusaram desse financiamento é idiota, quando o campo da decisão deve pertencer à fundamentação do investimento.

Tal como referi em post anterior, estamos perante matéria de decisão que não pode pertencer exclusivamente ao ministério das Finanças. Os governos necessitam de conselhos de opinião de especialistas que abalizem a necessidade de novos investimentos e sobretudo a consistência dos planos de manutenção e conservação. A tempo de novos colapsos nos surpreenderem.

Sem comentários:

Enviar um comentário