Já por repetidas vezes insisti neste blogue que
os economistas americanos levaram bem mais a sério a necessidade de explicar o
que efetivamente provocou a crise de 2007-2008, a chamada Grande Recessão, do
que os seus colegas europeus.
Estamos em 2014 e a teoria económica feita do
lado de lá do Atlântico continua a deixar-se interpelar ativa e fortemente
pelos acontecimentos do pré e do durante 2007-2008, sobretudo à medida que
continuamos a ter inúmeros testemunhos de quem vivei por dentro os fenómenos materializados
na tal Grande Recessão. Outra coisa bem diferente, mas também geradora de forte
debate, é a explicação do porquê da recuperação incipiente e tardia na produção
de efeitos. Temos por isso duas matérias que têm interpelado de cima abaixo a
teoria económica e isso explica a vastíssima produção de que a blogosfera é a
primeira manifestação.
House of Debt (University of Chicago Press, 2014), dos
economistas Atif Mian e Amir Sufi (Princeton e Chicago) é uma das obras já há
alguns dias encomendada na Amazon UK e que aguardo com muita expectativa para
poder confirmar a referência de total novidade que lhe é atribuída na explicação
dos acontecimentos de 2007 e 2008 na economia americana.
A recensão crítica que Lawrence Summers (o homem
pensa e escreve como um danado!) é suficientemente atrativa para justificar que
o House of Debt seja aqui referenciado,
apesar de ainda não ter podido mergulhar na sua leitura. Não apenas porque tudo
o que Summers escreve é para ser lido com atenção, mas sobretudo porque o lugar
que Summers desempenhava em 2009 e 2010 como diretor do Grupo de Conselheiros
do Presidente Obama atribui à sua crónica de recensão do livro uma pimenta que
não teria caso estivesse no desempenho de outras funções.
Sete anos depois dos acontecimentos, Mian e Sufi,
após uma longa investigação empírica, defendem que, ao contrário do pensamento
instalado que vê a crise financeira de 2007-08 como um exemplo de falha do
sistema de intermediação financeira, com excesso de peso da chamada banca
sombra e suas derivas, os acontecimentos foram inicialmente determinados pela
deterioração da situação financeira das famílias, marcada pelo seu insustentável
endividamento e correspondente “crash”
com a crise imobiliária e de habitação na economia americana. Tal como Summers
o assinala, as teses de Mian e Sufi conduzem-nos a uma narrativa totalmente
diferente dos acontecimentos, em regra associados à impossibilidade de resgate
do Lehman Brothers.
A bolha imobiliária americana é assim, nesta
narrativa, associada ao excesso de empréstimos à habitação e sobretudo à
entrada no sistema de famílias manifestamente incapazes de pagar as
correspondentes dívidas. Os autores apresentam informação que evidencia a maior
queda das despesas de consumo nos lugares de maiores descidas dos preços de
habitação e nas situações em que a hipoteca estava ligada à própria habitação.
Não tenho na crónica de Summers elementos que
permitam avaliar se os autores identificam no excesso de empréstimos à habitação
erros de práticas bancárias. Porém, o que a narrativa sugerida por Mian e Sufi
provoca são dúvidas sobre a intervenção de resgate de toda a banca, sobretudo
sem a mesma intervenção consequente em matéria de redução das dívidas das famílias.
E o que os dados de Mian e Sufi mostram é que um programa mais audacioso nesta última
matéria teria contido a queda das despesas de consumo. Summers oferece alguns
elementos justificativos para a dificuldade do governo Obama ter feito mais
pelo apoio às famílias endividadas.
Cá para mim e sem ainda ter lido a obra, o que
parece ter acontecido é um não monitorizado crescimento de endividamento das
famílias em torno do mercado de habitação que provavelmente a sofisticação
descontrolada do sistema financeiro americano tendeu a fazer crescer. Que os
processos de resgate tenham incidido mais profundamente na intermediação financeira
do que no endividamento das famílias isso prova que as despesas de consumo caíram
mais do que o estritamente necessário. Essa parece ser a novidade do House of Debt. Uma boa prova de que a análise
económica pode ser útil.
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