domingo, 22 de junho de 2014

DANOS DE LONGO PRAZO



De acordo com os resultados mais visíveis, as desproporcionadas políticas de austeridade e contenção fiscal geradas pela tola ideia de que a crise europeia é tão só uma crise de dívida geraram perdas de produto e de emprego a curto prazo desnecessárias, o que bastaria para penalizar os seus responsáveis. Por muito que se pretenda branquear essa perda de curto prazo, e Portugal é um caso claríssimo dessa tentativa despudorada de branqueamento, a perda está lá, é mensurável, as suas consequências nefastas sobre as famílias não podem ser ocultadas e isso bastaria para que António José Seguro se interrogasse por que razão não foi capaz de capitalizar esse descontentamento.
Mas, à medida que os dados do pós-crise 2007-2008 e pós políticas de austeridade são trabalhados mais profundamente, vai sendo possível demonstrar que os danos provocados por ideias tão insensatas não se reduzem às perdas de produto e de emprego a curto prazo. Os economistas americanos foram os primeiros a alertar para essa possibilidade, com Bradford DeLong à cabeça, chamando a atenção para as perdas massivas de produto potencial que as desproporcionadas políticas de contenção fiscal estariam a provocar. O mecanismo é conhecido e alicerça-se sobretudo na diminuição do produto potencial máximo que as economias podem alcançar. A principal causa prende-se com o mercado de trabalho e com os ativos que se transformam precocemente em inativos e não regressam ao mercado de trabalho, diminuindo assim o produto máximo potencial que seria possível obter com os recursos disponíveis. Em termos económicos, esse fenómeno chama-se hysteresis e está modelizado por alguns economistas como Bradford DeLong e Summers, no artigo seminal sobre o tema.
O gráfico de autoria de Krugman que abre este post e que invoca um recente e importante artigo de Larry Ball demonstra-o cabalmente evidenciando que as economias que realizaram os maiores ganhos de excedente estrutural orçamental (por força da contenção fiscal desproporcionada) são as que apresentam os declínios percentuais mais elevados de produto potencial. Estima-se que 1% de perda de produto gerada por políticas de austeridade reduz o produto potencial de 1%, o que assinala uma política económica fortemente destrutiva a longo prazo. No artigo que escrevi para a Organização Internacional do Trabalho com a colega Pilar González chamámos a estes efeitos de longo prazo de efeitos perversos dinâmicos, que não se reduzem ao produto potencial. Nesse artigo, mostrámos que os efeitos sobre os investimentos das famílias em capital humano integram também essa dinâmica de efeitos perversos. Por felicidade, vamos conseguir publicar uma versão desse trabalho na revista italiana Economia&Lavoro da Fondazione Giacomo Brodolini, o que constituirá uma pequena compensação para que estas ideias fluam com mais nitidez.

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