Através de uma parceria entre a Fundação Calouste
Gulbenkian e o Institut of Public Policy
Thomas Jefferson – Correia da Serra (em que pontifica Tiago Trigo Pereira),
as políticas públicas terão a honra de conferência em outubro de 2014,
precedida em Junho de workshops com a
pré-apresentação dos papers que
servirão de suporte à referida conferência.
A mim e à minha colega Elisa Babo cabe-nos o tema
da Territorialização de Políticas Públicas setoriais, mais propriamente e por
nossa escolha das políticas de inovação e de cultura.
Reproduzo o enquadramento teórico e conceptual do
trabalho que iremos apresentar, com primeira discussão em junho e
desenvolvimentos até outubro.
1.ENQUADRAMENTO
1.1. Introdução ao tema / referenciais teóricos e
conceptuais
Não é fácil identificar e delimitar com rigor na
literatura o enquadramento teórico- conceptual do que entendemos neste trabalho
por territorialização de políticas públicas (TPP). Um método expedito para o
fazer pode consistir na procura de descritores anglo-saxónicos e os resultados
não são abundantes: “place-based policies” é seguramente desde o
Relatório Barca (Barca, 2009) a principal referência, mas “territory-based” and “local-based
policies” são também exemplos identificáveis. Dispensamo-nos neste
trabalho de mergulhar nas profundezas da economia espacial para dissertar em
torno das diferenças entre os conceitos de “place”,
“territory” e “local”, o que bastaria para dar
conta da complexidade do enquadramento que procuramos.
Assumimos nesta reflexão a tese de que o tema da
TPP resulta, não de um domínio ou programa de investigação bem delimitado, mas
antes da convergência de um conjunto de tendências que atravessou várias
disciplinas, das várias economias (do crescimento e da inovação, entre outras)
à geografia, integrando o paradigma do desenvolvimento (policy-oriented) e muito
inspirado na máxima de que “one size does not fit all”. Esse enquadramento
explica a nosso ver a dificuldade de situar o quadro de referências e a melhor
ilustração dessa dificuldade são as 21 páginas de bibliografia do Relatório
Barca, através da qual é possível compreender as fontes de influência do que
Barca designa de “place-based paradigm”.
Mas defendemos também a ideia de que o lento e
conturbado advento das “place-based policies” não é o resultado apenas
de rebeldias teóricas contra a corrente. Alguma capacidade de risco das políticas
públicas e o papel de algumas instituições internacionais no lançamento de
novos paradigmas de intervenção pública mesmo sem os quadros teóricos e
conceptuais estarem completamente estabilizados devem ser aqui referenciados
como marcos decisivos do referido advento. Aliás, a história da transmissão das
ideias (conhecimento, teorias, paradigmas) e da sua transformação em paradigmas
de intervenção pública mostra que ela nunca é apenas o reflexo do
desenvolvimento e afirmação das teorias, incorporando outros factores para
explicar a sua absorção por parte dos poderes públicos. É neste domínio que a
criação do “Territorial Service” da
OCDE constitui um elemento relevantíssimo de enquadramento. Os sucessivos
“Territorial Reviews” (OECD, 2007) que o serviço foi realizando sobre
diferentes países foram permitindo generalizar a lente territorial das
políticas setoriais, dar alento ao fascinante tema da governação territorial
multinível e horizontal-vertical para lá da geografia rígida dos quadros
político-administrativos e destacar domínios de política setorial mais
claramente territorializados (política de inovação e clusters). O mesmo se diga
com a entrada no tema nas políticas comunitárias de que o já mencionado
Relatório Barca representou o referencial pioneiro.
Nessa linha de reflexão e de convergência entre
várias disciplinas, que poderíamos designar de descoberta mais ou menos
coordenada do território como sujeito e objeto de políticas públicas,
consideraremos que a TPP está para além da mera abordagem sobre o impacto
territorial das políticas públicas. Poderíamos dizer que essa dimensão é uma
condição necessária do conceito operacional da TPP, sobretudo aplicada às
políticas macroeconómicas (incluindo as de ajustamento como as aplicadas em
torno dos resgates financeiros), que de uma vez por todas têm de ser
compreendidas como algo que produz impactos territoriais, frequentemente
ignorados ou menosprezados. Iremos além dessa condição necessária e assumiremos
que a TPP envolve um território de referência, uma visão descendente (“top-down”,
setorial, vertical ou não) sobre o mesmo, mas também uma construção integrada e
prospetiva de natureza ascendente (“bottom-up”), alimentada por processos e
condições de participação multi-institucional e pública, quer ao nível das
fases de planeamento quer de tomada de decisão. Importa aqui referir que as
duas dimensões da abordagem (descendente e ascendente) não necessitam para
gerir uma abordagem de TPP de se apresentar com o mesmo grau de consistência. Aliás,
não raras vezes, o processo descendente apresenta-se mais robusto e
tecnicamente fundamentado e nem sempre a dimensão ascendente resulta de um
processo participado e abrangente. A consistência da abordagem da TPP é
seguramente um problema de governance, mas a dimensão ascendente também o é,
sobretudo em matéria de cooperação horizontal. Isto significa que para, em
nosso entender, ser possível uma abordagem operativa de TPP é necessário e
suficiente haver um território de aplicação, uma dinâmica institucional, mais
ou menos organizada construída a partir e sobre o território e focada no futuro
desse território e uma política pública (mais ou menos recetiva às
particularidades desse território) descendente dirigida ou nele aplicável.
Assim entendida, a TPP é uma equação que pode ou não ter resolução, tudo
dependendo do modelo de governança que daí resultar.
(a desenvolver em sede de artigo final, com
referências bibliográficas mais finas).
1.2. Porquê os domínios inovação e cultura?
A escolha dos domínios sobre os quais a nossa
abordagem de TPP é aplicada resulta de um conjunto de critérios que não podem
deixar de replicar o enquadramento teórico esboçado na secção anterior.
Em primeiro lugar, tivemos em conta a
obrigatoriedade de se tratar de políticas públicas que não correspondam ao que
poderíamos designar de intervenção pública mais tradicional, mas que
correspondam já a políticas com um grau de consolidação que possibilite a
aplicação da equação TPP. Por outras palavras, domínios que estejam para lá do
paradigma das infraestruturas e que prefigurem novos padrões de afetação de
recursos públicos. Em nosso entender, inovação e cultura preenchem
perfeitamente esse critério. Podem ainda ter sido atingidos pela deriva
infraestrutural, mas a sua sustentabilidade futura estará claramente para além
dessa deriva.
Em segundo lugar, optámos por políticas públicas
que correspondem a domínios temáticos nos quais seja possível reconhecer a já
mencionada convergência de descoberta do território por parte de disciplinas teóricas
fundamentadoras do exercício dessas políticas. A inovação e a cultura respondem
positivamente a esse critério. A inovação e a cultura são hoje matéria de
convergência e de fertilização cruzada entre disciplinas como a economia do
crescimento, do conhecimento e da inovação, a geografia económica, as ciências
da organização e em todas elas, por via da formação do conhecimento e da sua
relação com o território (conhecimento analítico, sintético e simbólico), as
políticas públicas encontram hoje fundamentos e principalmente fontes de
inovação na sua própria conceção. A inovação envolvendo mais a interação do
território com atividades produtivas em que a formação de conhecimento
analítico (biotecnologias e química por exemplo) e sintético (engenharias, por
exemplo) e a cultura mais associada ao conhecimento simbólico e suscitando a
questão fascinante de saber se o digital substituirá algum o dia o “face to
face” na criação desse conhecimento projetam futuro para a abordagem da TPP.
Finalmente, porque a TPP na inovação e na cultura
suscita o elemento central da equação relacionado com a existência de
territórios pertinentes. Mostraremos que inovação e cultura apelarão a
territórios pertinentes de diferente escala e que, em termos de governança, se
deparam nos territórios concretos com quadros administrativo-institucionais com
grau muito diferenciado de existência e de consolidação.
Pode assim dizer-se que inovação e cultura,
estabelecem hoje inter-relações profícuas no contexto da evolução da sociedade
do conhecimento, seja nos processos reais de desenvolvimento dos territórios ou
das cidades, seja no campo político. Apesar das sinergias crescentes sobre os
objetivos e âmbitos das políticas orientadas para cada um destes domínios, as
condições concretas da sua territorialização mantém-se diversas, questão que
implica analisar de forma aprofundada.
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