quinta-feira, 26 de junho de 2014

NEM TRALHA NEM TROLHA

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)


Não estou ainda muito certo sobre se a nova linha estratégica adotada por António José Seguro (AJS) na luta pelo poder no Partido Socialista redundará em eficácia ou em suicídio. Sei, isso sim, que as suas recentes declarações sobre o memorando negociado em 2011 – “Se me disser, se eu negociasse o memorando se era este o memorando que tinha negociado? Claro que não era.” – são uma enorme falsidade e um primor de demagogia vindas de um homem que chegou a secretário-geral prometendo fazer diferente na política: quem pode hoje, tendo presente o dramatismo da situação político-partidária e institucional que então se viveu, produzir uma tal afirmação com honestidade e de modo responsável? Também sei, ademais, que as recentes declarações de AJS em torno da sua liberdade recuperada – “Eu tinha um cuidado na utilização das minhas palavras e do meu discurso público que hoje deixei de ter. Sinto que recuperei totalmente a minha liberdade para dizer tudo aquilo que penso sobre a situação interna do partido.” –, por muito que as sinta como verdadeiras, não abonam aos olhos dos portugueses quanto à força da sua personalidade e à sua capacidade de liderança. E sei ainda, por fim, que aquele AJS que julgo conhecer há longos anos não é compatível com uma cobertura distanciada das malfeitorias que a seu pretexto vão sendo feitas por várias tribos de prima-donas frustradas, aspirantes a ministros, quase reformados em luta desesperada contra o tempo, vira-casacas, agenciadores de empregos e outros caciques.

Dito isto, quero também sublinhar que não sou inocente ao ponto de admitir que não é possível encontrar figuras caricatas dos tipos acima descritos do lado de António Costa (AC). Há-as, claro que as há, e algumas até publicamente consideradas como muito respeitáveis. Mas uma diferença fundamental reside no facto de estas estarem dominadas por uma certa autocontenção, que decorre da própria natureza das circunstâncias do seu estatuto de challengers,  e sujeitas ao controlo de um candidato forte e ostentando um discurso necessariamente menos agressivo. Sendo que este acaba por ser, algo paradoxalmente talvez, o problema de AC e a potencial origem de um seu erro estratégico: deixar-se envolver e arrastar pela convicção de ser mais dotado e mais preparado e de estar mais bem rodeado do que o seu adversário interno.

Explico-me: tem-se dito por aí que o que separa AJS de AC é principalmente do foro da diferença de personalidades real ou percebida, seja em termos de presença e determinação seja em termos de carreira e experiência detida. Não sei se concordo, ou melhor, se virá a residir efetivamente nessas dimensões o cerne da decisão. Porque, por muito que aquelas possam ser verdades (de maior ou menor monta), o facto é que AC só conseguirá vencer AJS de fora para dentro e no quadro de uma dinâmica cívica que tenha caraterísticas marcadamente agregadoras. E para tal alcançar não chegarão as vantagens já (tidas por) adquiridas, terá de arregaçar as mangas e arriscar passar do discurso racional, realista e faseado – otimista q.b. – à proposta de ação competente, voluntarista e concreta – utópica q.b. – que possa conseguir o mais difícil: “mobilizar Portugal”.

(António Jorge Gonçalves, Toon, http://inimigo.publico.pt e Fotomontagem, http://expresso.sapo.pt)

De toda a maneira, afinal, nem AJS é o anjinho que dele alguns faziam nem AC pode ser encarado como a emanação de uma milagreira aparição divina. E, assim sendo, a coisa torna-se ainda mais perigosa: porque um PS que se acantona “a estudar para exames de segunda época” (como dizia ontem, com graça, o Bruno Nogueira) desgasta a cabeça e perde o foco, acabando por ficar como que corroído por estilhaços de guerrilha e desaparecido do combate essencial. E, como a História tanto nos ensina, os piores e mais sanguinários, mais estúpidos e mais improcedentes confrontos deram-se entre irmãos...

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