Sabemos que os trabalhos de Thomas Piketty, em
colaboração com Emmanuel Saez nos Estados Unidos da América e Tony Atkinson no
Reino Unido, têm dominado o universo dos debates em torno da teoria económica
este ano. O livro de Piketty foi mesmo campeão de vendas na Amazon, o que
constitui em si mesmo um acontecimento para um livro de economia e ainda por
cima de autoria de um economista francês.
Sabemos mais ainda que a tentativa de desmontagem
dos dados históricos de base que serviram de suporte às conclusões de Piketty realizada
pelo Financial Times não produziram o efeito que talvez o jornal pretendesse,
ou seja associar a obra de Piketty a uma espécie de maldição das folhas de
EXCEL. A crítica dos dados de Piketty, sempre bem acolhida neste tipo de
trabalhos, sobretudo quando as suas fontes e técnicas de cálculo foram
colocadas à disposição de todos, não logrou produzir um efeito similar ao erro
de EXCEL dos trabalhos de Reinhart e Rogoff. A compensação não se deu e o resultado
não foi propriamente um empate. Por outras palavras, o erro de Reinhart e
Rogoff foi demonstrado e com ele inviabilizados os aproveitamentos que desse artigo
as teses da austeridade oportunisticamente realizaram. No caso de Piketty,
foram discutidas fontes e hipóteses de cálculo mas a discussão mais inteligente
dos contributos de Piketty não passaram por aí. O tema da desigualdade não foi
assim precedido de mácula.
A melhor demonstração desse facto e da incontornável
relevância do tema para compreender as sociedades modernas (restituindo à
economia alguma aura e prestígio extremamente abalados pela imbecilidade das teses
da austeridade expansionista) está no modo como o tema tem penetrado revistas
científicas não propriamente de economia.
A Science de maio de 2014 abre as suas portas a um artigo de Piketty e Saez sobre a
desigualdade a longo prazo, no qual os dois economistas regressam à sua tese de
que em matéria de desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza nem Karl
Marx, nem Simon Kuznets tinham razão quando associaram ao tema regularidades
determinadas, o primeiro apontada para a sua degradação secular e o segundo
construindo a partir essencialmente dos Estados Unidos uma curva em U invertido, que previa um período de agravamento de desigualdades
seguido de melhorias. Os autores focam-se sobretudo na comparação do tempo
longo na Europa e nos Estados Unidos para evidenciar que as situações
comparativas podem evoluir consideravelmente, sucedendo que neste caso os EUA
passam a ser a sociedade mais desigual no século XX, invertendo a situação de
tempos anteriores. Há forças poderosas atuando quer no sentido do aumento de
desigualdade, quer da sua redução, e os modelos de crescimento económico e de
políticas públicas são os grandes responsáveis pelo predomínio de um ou outro
tipo de forças.
O próprio Scientific American se viu obrigado a entrar também na discussão, neste caso
procurando demonstrar que os EUA, apesar dos dados de Piketty e Saez, não
deixaram de ser o espaço de sonho da igualdade. Mais imaginação e ideologia do
que propriamente uma crítica robusta das conclusões de Piketty e Saez.
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