Sem surpresa, isto é, praticamente antecipado
pelos analistas mais representativos, o BCE reagiu hoje ao contexto adverso de
riscos deflacionários, euro apreciado face ao potencial de recuperação
produtivo das economias da zona euro e persistência dos problemas de
disponibilização (ou de concretização de crédito às PME). O Live Blog do Financial Times proporciona como sempre uma excelente cobertura praticamente on
line da conferência de imprensa posterior à comunicação da decisão.
A intervenção decretada (ao que se sabe sem
grande oposição dos membros do Conselho de decisão) assenta em cinco níveis:
- Descida de taxas: as taxas de depósito (e de reservas) no BCE passaram para terreno negativo (-0,10%), constituindo o primeiro banco central de grandes dimensões a fazê-lo (secundando assim um banco central de pequena dimensão, o dinamarquês); Descida da taxa básica de financiamento para 0,15%, aproximando-se da taxa zero; Descida também da chamada taxa marginal de empréstimo (marginal lending facility rate) para 0,40%;
- Lançamento de uma vasta operação de financiamento aos bancos a longo prazo (4 anos com maturidade até setembro de 2018, no montante de 400 mil milhões de euros, no limite de 7% do total de crédito a sociedades não –financeiras na zona euro), com a importante indicação de que a facilidade não pode ser aplicada na habitação nem em compras de dívida pública;
- Sugestão de que a operação pode seguir dentro de momentos se a situação assim o exigir, dando a entender que um quantitative easing mais lato pode ser aplicado e que a compra de “asset backed securities” pode ser intensificada;
- Orientação futura de que as taxas permanecerão baixas durante longo tempo;
- Suspensão das operações de esterilização, o que significa que o BCE suspenderá por agora as operações destinadas a limpar a liquidez introduzida no sistema pelas compras que os Bancos Centrais da zona euro realizam comprando títulos da dívida pública.
As reações e analistas e de mercados à decisão não
apresentam uma tendência bem definida. O euro oscilou, tendo descido
ligeiramente. George Magnus assinala no FT que as taxas de depósito negativas
chegam num contexto em que os depósitos dos bancos no BCE estão a aproximar-se
de zero e as reservas também diminuíram consideravelmente, sugerindo que a
medida corre o risco de produzir apenas o efeito de desincentivar o retorno do
aumento de depósitos e de reservas.
A operação de financiamento a longo prazo vem na
sequência de iniciativa anterior, as famosas LTRO, que como se sabe estiveram
longe de se repercutir em incrementos consideráveis de crédito. A medida é
tributária da saúde financeira dos bancos e da necessidade destes de reduzir o
seu balanço, o que pode contrariar os efeitos pretendidos. A exclusão do crédito
à habitação e do crédito ao setor público pode exercer algum efeito na direção
desejada que seria a de incrementar o crédito às PME e tocar finalmente a
economia real. Mas não há apenas oferta de crédito. Ele tem de ser procurado
para se concretizar. E tudo indica que o situação global que se pretende
contrariar é demasiado pesada para ser atacada apenas por via da política monetária,
ainda por cima uma política manca e não tão intensa como a americana ou a
japonesa. E com a dívida a queimar calcanhares, joelhos e outras partes de
economias pós-ajustamento, ninguém, a não ser alguns países do Norte, poderão aspirar
a uma política fiscal expansiva que complemente os esforços do esforçado
Draghi.
Na prática e sem novidade, a zona euro a braços
com as incongruências da sua própria arquitetura, para nossos males e penas.
Por isso, quando Draghi proclama: “To governments we say: consolidate your
budget in a growth-friendly way”, é necessário perguntar-lhe o que é que
isso significa de concreto em economias com a dívida a queimar calcanhares,
joelhos e outras partes.
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