sexta-feira, 6 de maio de 2022

A CHINA

 

                                    (Capa do The Economist de 16 a 22 de abril de 2022)

(Com a Rússia de Putin no centro das nossas atenções, o foco então colocado no confronto EUA-China tem sido deslocado para um plano secundário e, consequentemente, menos análises têm emergido sobre o gigante chinês. Mas por mais voltas que possamos inventar, o nosso conhecimento da economia mundial fica truncado se esquecermos o gigante e não mobilizarmos toda a informação e investigação necessárias para o compreender. Quando redirecionamos as lentes da análise para a estranha forma de capitalismo regulado que ali floresce, percebemos que a fobia absoluta pelo planeamento que as autoridades chinesas desenvolvem tem sido colocada à prova, e de que maneira, por algumas perturbações exógenas que qualquer máquina omnisciente de planeamento gostaria de contornar. Basta relembrar as sucessivas recidivas de COVID-19 cuja magnitude são irreversivelmente escaladas num país com aquela magnitude demográfica, a guerra da Ucrânia que está a exigir à diplomacia chinesa e à sua geopolítica exercícios complexos de equilíbrio e a questão demográfica que começa a atingir a sociedade chinesa para compreendermos que a meticulosa máquina de planeamento chinês está perante desafios a que provavelmente não estaria acostumada.

Sim, enquanto que por cá, mais ou menos inconscientemente, começamos a libertação das máscaras num contexto difícil de aumento relevante de incidência e de contágios, não podemos esquecer que na China, mais propriamente em Xangai, 25 milhões de pessoas estão num confinamento rigoroso, à chinesa, e outras províncias estão mergulhadas em confinamentos parciais, com pelo menos uma delas, Guangzhou com escolas fechadas. Quer isto significar que a política de COVID zero com que as autoridades chineses quiseram sempre marcar a diferença (manda quem pode e um regime como o chinês pode naturalmente aspirar a vias mais restritivas e prolongadas no tempo do que as que estão ao alcance das democracias ocidentais que se prezem desse estatuto) tem um horizonte de concretização temporal bastante comprometido. Para além desses confinamentos totais ou parcial prolongarem no tempo as já conhecidas disrupções das cadeias de valor globais, não podemos ignorar as implicações de obstáculos ao crescimento chinês que elas implicam. O regime não está preparado para uma reprodução com baixas taxas de crescimento. Criou esperanças distributivas que só podem ser alimentadas com os ritmos de crescimento que nos espantavam, a nós ocidentais envolvidos com discussões como a da estagnação secular.

O adiamento da chegada a bom porto da política COVID zero tão do agrado das autoridades chinesas é de facto um escolho de porte significativo, que nem mesmo um regime com aquela capacidade de imposição e vinculação das suas decisões pode ocultar.

A guerra da Ucrânia constitui um outro desafio à estabilidade de contexto que o planeamento chinês tanto gosta de eternizar. Podemos dar de barato que o Partido Comunista Chinês e o seu líder Xi Jinping partilham de bom grado a tese progressivamente divulgada a oriente de que as sociedades ocidentais estão condenadas e presas na degradação do seu sistema de valores e com perspetivas de decadência secular. Desse ponto de vista e ao qual se juntam colossos como a Índia, Putin e o PC Chinês partilham pelo parcialmente essa tese, embora naturalmente se projetem em referenciais de superioridade e domínio que não são os mesmos e que até podem ser conflitivos entre si. Por isso, não ouvimos uma única palavra diplomática que pudesse ser interpretada como uma desautorização da invasão russa. Mas o lugar da China na economia mundial não pode ser alterado de um dia para o outro, mesmo que a magnitude demográfica e extensão territorial do país permitam cálculos de economias de escala impensáveis noutros países. Mas a dimensão tecnológica da economia chinesa muito dificilmente pode ser separada do sistema mundial de capital de risco e de outras formas de financiamento da inovação. Por isso, as autoridades chinesas têm evitado fechar portas a ocidente, onde quer que seja, e têm praticado uma diplomacia de pinças.

 

E não esqueçamos a questão demográfica, ditada pela evolução da taxa de fertilidade total, ou seja, o número médio de filhos de uma mulher no seu período de ativo fértil, pressupondo que ela terá ao longo dessa vida ativa o número de filhos que as mulheres de hoje apresentam nos diferentes escalões etários. Observa-se no gráfico que acompanha este post que a China conseguiu suster no início da década de 2000 o longo declínio da sua taxa de fertilidade total, mas cujo valor atual, em torno de 1.7, se encontra abaixo do nível de reprodução simples da população, apontado pelos demográfico ao valor de 2.1.

Recorda-se que é no período 1976-1989 que é feita a opção política de privilegiar o desenvolvimento económico em detrimento da luta de classes, iniciando a partir daí a conhecida trajetória de crescimento que multiplicou por 20 o produto interno bruto per capita e lançou a China, à paridade de poderes de compra, para o estatuto de maior economia do mundo.

Como é óbvio, a sociedade chinesa não tem imediatamente ameaçado o seu potencial de crescimento, já que o número de mulheres jovens e disponíveis para ter filhos é ainda muito elevado apesar da taxa de fertilidade total estar abaixo de 2.1. É o que costumamos chamar de inércia demográfica. Mas a sociedade chinesa não escapa a uma das leis estruturais de desenvolvimento – o desenvolvimento económico e o aumento da taxa de urbanização tendem a rebaixar sustentadamente a taxa de fertilidade total..

Resumindo, três questões para continuar a acompanhar analiticamente a economia chinesa.

 

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