A maioria das pessoas normais encara crescentemente os políticos como constava daquele já velho dito de que “estes publicitários são uns exagerados”. E o facto é que encolhem os ombros desinteressadamente porque no fundo é assim e ninguém deve levar a coisa muito a peito, faz parte e pronto. Vem isto a propósito das declarações do nosso primeiro-ministro anteontem em Sintra perante uma dócil plateia de empresários chamados a reunir com ele para “preparar uma ida à Hannover Messe”, feira que inaugurará com Scholz representando-nos como país parceiro sob o questionável mote “Portugal Makes Sense”.
Arrebatado por tal contexto, e piamente inconsciente quanto ao desproporcionado sentido das suas certamente bem-intencionadas mas desmedidas palavras, António Costa discursou pela estrada fora sem sentir necessidade de qualquer contenção em termos de razoabilidade básica. E lá foi por ali adiante na defesa de nada menos do que essa ideia peregrina de que temos “condições únicas para ser uma grande plataforma no esforço de reindustrialização da Europa”. Para a suportar falou de razões de posição geográfica (“nessa relocalização para o mercado global”, Portugal “deixou de ser periférico” ― “quando a Europa olha para o mundo, Portugal é de facto o ponto natural de interface”, a velha ladainha da “distância mais curta entre o continente americano e o continente europeu, entre o continente africano e o continente europeu”), de segurança (“o quarto país mais seguro do mundo e o terceiro país mais seguro ao nível da União Europeia”), de aposta nas qualificações (“nós já temos um número de pessoas a frequentar o ensino superior que ultrapassa o da média europeia” além de uma significativa “capacidade [de inovação no contexto empresarial] como não tínhamos há algumas décadas atrás”) e de transição climática (área onde a Comissão Europeia considera Portugal “o país que está em melhores condições para alcançar a neutralidade carbónica até 2050”).
E não quis passar sem recorrer à sempre pronta muleta dos dinheiros comunitários (“11 mil milhões de euros destinados exclusivamente ao apoio ao investimento exclusivamente empresarial”, ou seja, “90% mais [nos próximos sete anos] do que a última geração de fundos comunitários disponibilizou às empresas”) nem sem sublinhar a “oportunidade extraordinária que ocorre num momento extraordinário” que é este “momento em que a Europa decidiu investir seriamente na indústria”. Uma lógica estratégica imbatível, tão válida com base nesta argumentação do dia de hoje como para o estímulo a um empreendedorismo tecnológico à la Web Summit no dia de amanhã, feita esta a partir de uma argumentação decalcada mas cirurgicamente retocada.
É todavia óbvio que a ida à Hannover Messe representa um facto positivo em si mesmo ― conceda-se que podendo até constituir-se numa “alavanca que nos ajude a projetar o Portugal que nos importa projetar, que é um Portugal que é competitivo, um Portugal que é inovador, um Portugal que é altamente produtivo e muito focado no desenvolvimento da indústria e com enorme potencialidade para atrair para Portugal aquilo que são as indústrias do futuro”. Assim sendo, o meu ponto crítico é outro, que faço ressaltar porque há um perigoso oásis a querer voltar a impor-se à nossa volta, um oásis que nos vai sendo impingido por via da exaltação de um marketing político aparentemente eficaz embora substancialmente contraproducente quando encarado por quem tenha os pés bem assentes na terra e um conveniente conhecimento do terreno que pisa.
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