(Depois de uma multidão de reuniões de trabalho online que se alongaram por dois anos bem tirados, tive hoje a primeira reunião presencial em Lisboa para apresentar os resultados de uma avaliação, a das medidas de promoção da inovação social, numa sessão do CCB inserida nos trabalhos da reunião anual do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego. Para desgraça dos meus tempos de trabalho, as greves na CP regressaram e lá tive de me deslocar de carro, contrariando todas as regras da sustentabilidade e perdendo a oportunidade de trabalhar durante a viagem. Como esta reunião equivale a focar-me de novo nas questões da programação dos Fundos Estruturais, aproveito para refletir publicamente sobre o que me parece poder ser um dos grandes flops possíveis da programação 2021-2027…)
Sabemos que o anterior Ministro do Planeamento Nélson de Souza concedeu, e declarou-o publicamente com toda a clareza, toda a prioridade à preparação e negociação do PRR. A preparação da programação 2021-2027 seguiria dentro de momentos … ou seja depois do PRR estar garantido e criadas as condições para chegassem os primeiros “cheques” da União Europeia. É uma posição legítima e, como diria o outro, quem sou eu para me sobrepor à decisão de um Ministro com toda a experiência do mundo nestas coisas, é verdade que algo desconfiado de tudo que transcendia o seu círculo de decisão. Uma vez que se anunciava que o Ministro deixaria de o ser no novo governo de António Costa (não tenho qualquer “inside information” para discutir as condições em que terá ocorrido a sua saída de funções e como sabemos os nossos jornalistas gostam de pintar estes cenários com as cores que lhes convém), interpretei esta decisão de Nélson de Souza como uma espécie de legado para o governo seguinte. Até porque o próprio não se coibiu também publicamente de referir que a programação de 2021-2027 refletiria uma linha de continuidade face à de 2014-2020, com obviamente as alterações determinadas pela necessidade de abordar o pós-COVID, ou seja curar feridas ainda abertas e abordar as mudanças de tendências que a pandemia provocou.
Até aqui tudo bem, posso discordar desta abordagem sequencial PRR primeiro – programação plurianual 2021-2027 depois, já que faria todo o sentido prepará-las em conjunto até para maximizar complementaridades e articulações, mas a decisão teve legitimidade política e isso basta-me.
Mas, entretanto, à medida que se foram conhecendo as “reflexões estratégicas” do Governo para a programação plurianual e os territórios NUTS II (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional) e NUTS III (Comunidades Intermunicipais) foram elaborando elas próprias as suas reflexões estratégicas com o horizonte 2030 em vista, comecei a identificar inúmeras referências à questão do problema do declínio demográfico. Estas referências não diziam apenas respeito à velha questão do esvaziamento demográfico das zonas de mais baixa densidade, mas identifiquei a preocupação de abordar o problema numa perspetiva transversal a todo o território. De facto, o número de municípios com crescimento natural (nascimentos menos óbitos) positivo contam-se pelos dedos de duas mãos e, mesmo regiões que bem há pouco tempo faziam gala do seu dinamismo demográfico, como o litoral da região Norte, estão hoje também mergulhados no mais profundo inverno demográfico. O rol de consequências é conhecido, problemas nos fluxos de alimentação da força de trabalho, relação velhos inativos versus ativos a subir acentuadamente e toda uma nova gama de problemas sociais a germinar diante dos nossos olhos.
A minha primeira reação de homem bondoso e bem-intencionado foi a de pensar que, finalmente, iria ser possível colocar na programação uma abordagem efetiva sobre o declínio demográfico. Enfim, uma possibilidade de uma abordagem para além da retórica de influenciar o comportamento de crescimento da taxa de fertilidade em contexto em que o papel da mulher na sociedade não é ainda aquele que deveria ser, de modo a tirar partido da melhoria sustentada de qualificação da mulher portuguesa. Enfim também a possibilidade de analisar o envelhecimento não como voto pio e respeitoso e antes o de propor transversalmente a toda a sociedade portuguesa mudanças de opções que o tenham em conta e com ele dialoguem ativamente. Enfim também a oportunidade de encarar de frente o problema de escassez de força de trabalho que temos pela frente e gerir política e desassombradamente a convicção de que precisamos de gente do exterior e que temos de nos organizar para a atrair e acolher.
Como sempre suspeitei que iria acontecer, a prioridade concedida ao PRR retirou tempo de preparação à programação plurianual. Nesse contexto, faltou-nos o tempo e a organização para passar da retórica às soluções em matéria de declínio demográfico. Estimo que essa dimensão do Acordo de Parceria vá ser um flop e o que tenho conhecido sobre os PO em preparação diz-me que nada de diferente, inovador e operacional irá aparecer em termos de abordagem ao declínio demográfico. E o que mais me espanta é que muita gente encolha os ombros e se acomode na modorra da inércia da programação que a aparentemente legítima decisão de Nélson de Souza acabou por precipitar. A pressão e a bola passaram para a Ministra Ana Abrunhosa e para a Secretária de Estado Isabel Ferreira. Reforçar a dimensão do declínio demográfico no diagnóstico e depois nada a acontecer no fato único da programação que parece servir para todos os corpos é algo que releva da mais completa inconsequência estratégica. Situação irremediável? Nem tanto. O que será necessário é que todos os programas consagrem avisos específicos a essa matéria e desafiem os territórios a formatar operações que passem da retórica à abordagem consequente. O declínio demográfico é coisa para resolver a 30 senão a 40 anos. Mas o futuro prepara-se agora, com os Fundos que vamos tendo por agora.
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