quarta-feira, 11 de maio de 2022

A ECONOMIA DO RETROCESSO

 

 


(A economista Diane Coyle, autora do recentíssimo COGS AND MONSTERS, é uma das pensadoras britânicas mais estimulantes dos tempos de hoje, trabalhando sistematicamente em torno da ideia central de colocar a ciência económica num lugar mais respeitável. Ao contrário de outros, que procuram a via da sofisticação formal para se alcandorarem a essa respeitabilidade, Coyle nunca desistiu do poder explicativo e transformador da realidade pela economia, colocando-se sempre do lado dos que perdem mais com as transformações. A análise do COGS AND MONSTERS ficará para uma outra oportunidade, pelo que por hoje vou concentrar-me sobretudo num curto artigo publicado na PROSPECT de maio, uma revista onde se aloja grande parte do pensamento crítico que vai resistindo e lutando contra a sedução pantomineira de Johnson e sua equipa, cuja fragilidade mais recente só foi compensada pelo jeito que lhes deu cavalgar a ajuda à Ucrânia. Zelensky e os Ucranianos agradecem, os britânicos serão mais críticos como as eleições locais o revelaram esta semana…)

Já que o artigo de Diane Coyle na PROSPECT (The throwback economy), e a economia a andar para trás é obviamente a do Reino Unido, integra alguns elementos sobre a ameaça inflacionista, aproveito para relembrar o que tem sido a minha posição interpretativa sobre a ameaça inflacionista. O debate começou nos EUA como sabemos e aqui divulguei atempadamente, mas como sempre e com o desfasamento temporal do costume, as coisas estendem-se para o caso europeu. Se é verdade que o BCE ainda não teve uma capa do Economist a lembrar que falhou no combate à inflação, isso não significa que não esteja também sob fogo e aqui voltamos nós ao combate, de que os jornalistas económicos tanto gostam, entre falcões e pombas. É tempo dos falcões colocarem as garras em ação e veremos se a elegância de Madame Lagarde será suficiente para os conter …

A posição de alguém de boa-fé, não ideologicamente enquistado e atento à evidência como eu julgo ser não pode deixar de ser dinâmica quanto à perceção e explicação da ameaça inflacionista. A razão é simples. Tem-se discutido bastante se a natureza da inflação em curso é transitória (disrupções COVID agravadas pela recuperação pós-COVID e disrupções maximizadas com a invasão russa da Ucrânia) ou se, pelo contrário, se alimenta de questões estruturais de enraizamento. Colocando a questão noutros termos, saber se a alta de preços atinge sobretudo as perspetivas de curto prazo ou se, em alternativa, as expectativas de inflação a longo prazo estão aí já instaladas. Sendo assim, é preciso estar atento à dimensão temporal da transitoriedade. Em palavras simples, se continuarmos por muito tempo a falar em dimensões transitórias o termo gasta-se e a resposta está dada. Depois, é preciso estar atento ao modo como os agentes económicos e financeiros em mercado antecipam subidas futuras de preços. O melhor indicador que os economistas podem usar é o das taxas de juro a cinco ou dez anos e muitos economistas, como por exemplo Brad DeLong, assumem para eles um olhar diferente quando essas taxas sobem acima dos 2,5%, como está aliás a acontecer. Depois e por fim, é necessário estar atento a problemas de espiral preços-salários, que é uma forma de dizer que em situações extremas os preços sobem porque as expectativas o determinam (a velha questão dos referenciais da inflação para trás ou para a frente).

Diane Coyle surge sensível e tem razões para isso à evidência de que as últimas previsões apontam para uma subida de preços de cerca de 8,7% no fim de 2022, o que representaria a maior perda de poder de compra conhecida desde 1956, ano em que os registos começaram a ser coerentes. Compreende-se a preocupação da sagaz economista britânica pois ela sabe, e denunciou-o com veemência, que na sequência de uma austeridade estúpida e lunática imposta pelos conservadores, tanto mais estúpida e lunática quanto se sabe que o Reino Unido tem moeda própria e credível, o nível de vida dos britânicos estagnou na última década (não para o topo da distribuição).

Coyle chama a atenção para a costumeira incapacidade dos recebedores de salários reagirem tão facilmente à subida de preços como a historicamente revelada capacidade dos detentores de capital. Destaca também que a perda de influência da representação sindical atenua largamente as consequências de alguma escassez de mão-de-obra. Assim, embora provavelmente hoje sejam menos prováveis espirais de salários-preços, a tal “economia do retrocesso” obrigará os britânicos, por estranho que pareça, a discutir as razões pelas quais na última década o nível de vida estagnou, tendo sido evidente a incapacidade do mundo do trabalho ver as suas remunerações acompanhar a evolução da produtividade.

Por tudo isto e tendo em conta que as perspetivas para o Reino Unido da classe média e dos pobres serão de deterioração das condições de vida em contexto de estagnação passada, a minha perplexidade vai a incapacidade de perceber como alguém ainda aguenta as pantominas inconsequentes de Boris e sua equipa. Será que a má consciência do BREXIT o explicará? Ou será que a desigualdade instalada e agravada é um soporífero que adia o confronto com a realidade?

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