domingo, 22 de maio de 2022

MIGUEL ARAÚJO E COMPANHIA

 


(Embora não seja e não esteja para grandes folias, este fim de semana foi relativamente atípico sem o ar leve de Seixas e na sexta à noite com a comemoração, atrasada dois anos, pelos confinamentos COVID dos trinta anos da Quaternaire, uma idade bonita para uma consultora, pá. Essa comemoração trouxe-me recordações e necessidade de ordenar pensamentos para uma intervenção curta no jantar. O sábado seria de recuperação de energias se não se tivesse metido pelo meio o concerto no Super Bock Arena do Miguel Araújo, alguém ainda diz Rosa Mota?, que simpaticamente uns amigos próximos nos presentearam e do qual em conjunto desfrutámos. …)

Confesso que nunca tinha presenciado um espetáculo ao vivo do Miguel Araújo com princípio meio e fim, já que o vira antes de relance e fugazmente numa das últimas passagens de ano nos Aliados antes da pandemia, que não é seguramente o melhor local e a melhor oportunidade para, dada a multidão que nos envolve e a algazarra reinante, avaliar o artista e a sua arte.

Sem ser propriamente um fan convicto do MA, acho que ele, na senda sobretudo do Rui Veloso, representa um excelente exemplo do que a música popular representa nos nossos hábitos. Em minha opinião, melhor letrista, com uma apetência para os quotidianos que nos cercam e aos quais por vezes não dedicamos a devida atenção, imaginativo na palavra e no modo como cruza o português e o inglês, do que propriamente compositor, algo repetitivo em alguns registos, estava com fortes expectativas para o espetáculo no Super Bock Arena. Excelente acústica, ambiente desafogado, boa fluência de entradas, ambiente mais jovem do que rico em cotas, mas estes também estavam, sobretudo mulheres com disposição para a animação, algumas sempre agarradas ao Instagram, mas é assim. Estava assim preparado para ser convencido. E fui. Mais do que agradavelmente surpreendido e convencido.

Em primeiro lugar, a perceção de que também no mundo da música popular Portugal mudou e de que maneira, a melhoria das qualificações técnicas e de gestão do espetáculo sente-se em todas as suas dimensões e gera uma sensação de competência que é consolador registar. A RTP estava a gravar o espetáculo e isso talvez também tenha contribuído para que tudo estivesse preparado ao pormenor.


E, para além disso, MA concebeu um espetáculo de modo muito inteligente, com ecrãs gigantes a facilitar a leitura dos textos e a captar pormenores que a vista cansada ou a miopia já não permite apreender. Uma política muito imaginativa de convites de personagens da música popular para contracenar numa ou duas músicas com MA, Claúdia Pascoal uma força de irrequietude no palco, César Mourão a cantar a já icónica canção do novo Canção de Lisboa, António Zambujo com aquela voz inconfundível a ecoar no Super Bock Arena e um segundo dueto magnífico de sensibilidade (link aqui) e Rui Veloso, como não podia deixar de ser, já um pouco canastrão, mas ainda com um dedo de guitarra que eletrizou a sala. E, por fim, a afetividade no palco, com tios do MA à mistura, o regresso dos Capas para um Like a Rolling Stone que ia atirando a baixo o pavilhão, sobretudo no refrão:

How does it feel, how does it feel?

To be on your own, with no direction home

A complete unknown, like a rolling stone”.

Tive receio que um peripaque qualquer acontecesse no palco, mas não, a malta aguentou, a afetividade faz destas coisas, e percebe-se que o MA preza os seus amigos e influências e que os traz ao palco para louvar o coletivo e a cooperação. Foi bonito de se ver.

E como não podia deixar de ser a Laurinha deu o aquecimento final (link aqui), com o pessoal em frenesim e coexistência perfeita com o seu ídolo.

Convencido e mais do que convencido. E sobretudo com a perceção, que tenho vindo a confirmar por vários caminhos, que profissionais e artistas competentes como o Miguel Araújo teriam noutros universos de países uma outra repercussão que a debilidade do nosso mercado bloqueia e empobrece. O crescimento da banda evidencia essa trajetória de crescimento, mas lá chegará o dia em que o próprio colocará a velha questão: E agora Miguel?

Mas foi bonita a festa e o espetáculo repete hoje no Super Bock Arena, espero que com o mesmo entusiasmo e qualidade que ontem nos ofereceu.

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