segunda-feira, 23 de maio de 2022

JUNTO-ME AO COLEGA DO LADO

 


(Sem falsa modéstia, e raras vezes o digo, acho que o que temos escrito neste blogue sobre a situação política em Espanha desde há algum tempo é do melhor que tenho lido cá por dentro. Por isso, é mais para fundamentar esse registo que me junto ao meu colega de blogue para anotar em termos de reflexão política a ascensão possível de Nuñez Feijoo à liderança política em Espanha. Várias reflexões são possíveis, a começar pela tensão positiva entre Feijoo e a líder da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, uma populista impetuosa que ou muito me engano vai longe na política espanhola. …)

A primeira reflexão, certeira no tempo em que aparece relativamente a Portugal, é a evidência clara de que um líder de uma Comunidade Autónoma, a Galiza, pode ser, normalmente e sem surpresa, líder da governação em Espanha. Isto diz bem da força política das autonomias regionais em Espanha. Dirá também como positiva foi a governação de Feijoo na Galiza, secando uma oposição com vários matizes: primeiro, impediu sempre que o PSOE galego recuperasse do fundo da sua estagnação desde há muito tempo; segundo, secou também o nacionalismo galego, Bloco Nacionalista Galego que parece finalmente recuperar também de uma longa letargia com Ana Pontón e assistiu impávido e sereno à derrocada de outras forças nacionalistas ou “Podemistas”, como aconteceu com a desagregação total das mareadas “mareas” e do próprio partido ou força política do incomparável Xosé Manuel Beiras; terceiro, impediu qualquer ensaio de pronunciamento do VOX, sem representação parlamentar na Galiza, sugerindo que a ascensão do VOX é uma questão de vazios e na Galiza não os houve.

Feijoo é daqueles líderes que alguns classificarão de tecnocrata, mas para suceder com tantas maiorias absolutas a alguém como Fraga Iribarne no coração dos galegos, talvez com os mais conservadores mais convencidos e indefetíveis, mas as maiorias absolutas alcançadas não podem ser explicadas apenas por esse lastro conservador e galego-profundo. Ninguém entendeu a recusa inicial de Feijoo quando a sucessão de Rajoy, outro galego, se complicou e a sua sucessora natural Soraya Sainz de Santamaría tropeçou vá lá saber-se em que escada ou obstáculo. Vozes maléficas fizeram soar nessa altura que algumas fotografias no passado, com Feijoo bastante novo e longe da ribalta política, eram comprometedoras, em que o agora líder do PP aparecia em festividades com a sua família junto de algumas personalidades do narcotráfico galego. Sempre me pareceu que essa hipótese não era consistente e por isso a recusa inicial de Feijoo permaneceu para mim um dos grandes mistérios da política espanhola recente.

Há uma outra tese, essa para mim mais sugestiva, embora careça de informação adicional, e nos últimos tempos as oportunidades de trabalho com amigos galegos têm sido uma impossibilidade, pelo que me faltam conversas amenas com tapas e um copo de Ribeiro ou Albariño para colocar a conversa em dia.

A tese relaciona-se com um tema que foi bastante utilizado para compreender as diferenças entre os processos de modernização/liberalização dos últimos tempos do franquismo e do salazarismo-caetanismo da União Nacional em Portugal. A variável invocada era a força e influência da OPUS DEI na governação espanhola, com Ministros nos últimos governos de Franco, comparada com a influência do catolicismo progressista (como Secretários de Estado e não Ministros, com nomes como João Salgueiro, Xavier Pintado, António Caetano e outros) em Portugal. Estudei nessa altura essa questão das duas transições e sem querer comparar a violência opressiva dos dois fascismos, percebe-se que o último período do franquismo foi mais consequente do que o português. A OPUS haveria de organizar-se mais tarde em Portugal e todos sabemos como a ascensão de Jardim Gonçalves no sistema bancário português teve essa marca, ao mesmo tempo que alguma formação em gestão começava também a mostrar de onde vinha e para onde queria ir.

Ora, há quem diga que a Xunta de Galícia de Feijoo releva dessas ondas, conheci alguns personagens ainda no tempo de Fraga como o Professor Catedrático de Geografia e Planeamento Urbano, Andrès Precedo Ledo, que preenchiam os cânones dessa identificação. É uma explicação possível, mas que também tem alguns escolhos do meu ponto de vista. Um deles é a conhecida animosidade que a Vice de Rajoy Soraya de Santamaría mantinha em relação a Feijoo, complicando-lhe a vida e a da Xunta em alguns dossiers de governo. Ora, o pessoal da OPUS costuma ser reservado em relação a essas matérias e estou em crer que Soraya pertencia ao círculo de influência.

Teses mais ou menos cabalísticas mas que ignoram a meu ver as próprias capacidades e intuição política de Feijoo. Essa capacidade observa-se comparativamente com a incompetência e má fortuna do seu antecessor no PP, Pablo Casado, que se deixou consumir no ardor impetuoso de Ayuso (tenho de moderar a minha linguagem em relação a Ayuso, pois pode ser mal interpretada…). De facto, o anterior líder do PP foi completamente trucidado pela máquina de comunicação de Isabel Ayuso e sobretudo pela sua peculiar política do afrontamento, fazendo ou não favores inconfessáveis ao seu irmão, com comércio de máscaras anti-Covid. Não faço ideia neste momento qual é o real poder de influência das correntes e personagens da OPUS no PP espanhol, sobretudo no que precipitadamente costuma chamar-se de barões. O que me parece é que a impetuosidade e chama de Ayuso são demasiado fervilhantes para o estilo dessa influência e Feijoo será o personagem certo para não bloquear a ascensão política da líder madrilena, mas para a conter nos limites do tolerável.

Mais uma vez se prova como a política espanhola dá pano para mangas e riqueza de reflexão que baste. Mas haveria outros temas com tanto interesse comparativo ou mais. Por exemplo, a heterodoxa cooperação à esquerda em Portugal chamou-se “geringonça” e a espanhola “solução Frankenstein”. Até nas metáforas encontramos diferenças preciosas. E uma outra matéria é a profusão de mulheres na política espanhola com chama, prestígio e vontade indomável. Antes contavam-se pelos dedos, Ana Pastor no PP ou a saudosa Carme Chacón no PSOE catalão, hoje temos dificuldade em dificuldade em reunir pelos dedos de duas mãos nomes e influência como Yolanda Díaz (com o seu novo projeto de rassemblement de esquerda construído a partir da nova legislação laboral), Begoña Villacís (Ciudadanos), Irene Montero (Podemos, Ministra para a Igualdade do governo de Sánchez), Nadia Calviño Santamaría, corunhesa e vice -presidenta de Sánchez e Ministra da Economia e da Transformação Digital, sem esquecer a própria Isabel Ayuso e a Inés Arrimadas em situação atual de pessangas.

Tanta matéria para uma boa comparação luso-espanhola.

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