terça-feira, 24 de maio de 2022

UM POEMA E UMA CITAÇÃO … DE KEYNES

 


(Há coisas do arco da velha e eu acredito em convergências de coisas aparentemente distantes e potencialmente desencontradas. Assim, aconteceu com a vontade de pensar conjuntamente um poema de Ruy Belo que recordei na sequência de uma outra audição e uma citação de Keynes que me tinha sido recordada por pesquisas que não vêm aqui ao caso. Tentemos perceber esta estranha convergência…)

O Essays in Biography é uma obra de John Maynard Keynes a que regresso sempre que tenho de reunir elementos sobre economistas como Malthus ou Alfred Marshall. Desta vez, no meio de algumas leituras suscitadas pelo futuro aparecimento da por muita gente esperada obra sobre história contemporânea do economista Bradford DeLong tantas vezes invocado por mim neste blogue, SLOUCHING TOWARDS UTOPIA, cuja elaboração fui seguindo no seu GRASPING REALITY, surgiu-me uma citação de Keynes que vim depois a localizar no seu artigo Trotsky in London, no qual Keynes faz a recensão crítica de um livro de Trotsky publicado em Londres e reproduzido no seu ESSAYS IN BIOGRAPHY.

A recensão de Where is Britain Going é o que menos interessa para o meu objetivo. A minha atenção foca-se na parte final do texto de Keynes, quando este depois de algumas considerações sobre o processo histórico da época acaba com estes quatro períodos que são para mim uma inspiração. Keynes diz assim:

“Mais do que um habitual esquema coerente de progresso, faz-nos falta um ideal tangível. Todos os partidos políticos similares têm as suas origens em ideias passadas e não em novas ideias – e visivelmente ninguém como os Marxistas obedecem a este princípio. Não é necessário debater as subtilezas do que é que justifica que um homem promova o seu evangelho pela força; porque ninguém tem um evangelho. O próximo passo é para ser dado com a cabeça e os punhos têm de esperar.”

A subtileza deste fim de citação é notável e como em muitas outras oportunidades a vontade imediata é tentar extrapolar algo que foi escrito em 1934, dada a importância do ideal tangível.

Há dias, quando na matutina Antena 2, o Paulo Alves Guerra nos brindava com aquelas associações caóticas que são uma maravilha para despertar, ele apresentava o novo disco ALEPO e outros silêncios do compositor português Luís Tinoco e colocava em fundo o vozeirão de Luís Miguel Cintra a declamar o Portugal Futuro de Ruy Belo:

O Portugal Futuro

0 Portugal futuro é um país

aonde o puro pássaro é possível

e sobre o leito negro do asfalto da estrada

as profundas crianças desenharão a giz

esse peixe da infância que vem na enxurrada

e me parece que se chama sável

Mas desenhem elas o que desenharem

é essa a forma do meu país

e chamem elas o que lhe chamarem

Portugal será e lá serei feliz

Poderá ser pequeno como este

ter a oeste o mar e a Espanha a leste

tudo nele será novo desde os ramos à raiz

À sombra dos plátanos as crianças dançarão

e na avenida que houver à beira-mar

pode o tempo mudar será verão

Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz

mas isso era o passado e podia ser duro

edificar sobre ele o Portugal futuro

Ruy Belo

A associação só aparentemente é complexa.

Afinal, andamos já há muito tempo à procura de um ideal tangível, mas com dificuldade de perceber que, embora gostemos de ouvir as horas do relógio da matriz, isso é passado e que pode ser duro edificar sobre ele o Portugal futuro.

Um economista irrepetível, um sábio, e um poeta de alma cheia, português, quem imaginaria que sobre eles poderia construir a minha convicção de que Portugal é possível.

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