domingo, 22 de maio de 2022

DO NOVO GOVERNO FRANCÊS

 
(Joe Cummings, https://www.ft.com) 

Aguardado com alguma expectativa após o anúncio de uma primeira-ministra tida por tecnocrática de esquerda (Élisabeth Borne), o novo governo de Macron não trouxe grandes surpresas. Sobrelevou a vontade de aposta na continuidade e na experiência revelada pelo Presidente ao manter metade dos ministros em funções e, muito especialmente, aqueles que ocupam lugares estratégicos e que conferem ao executivo um claro toque de centro-direita, como sejam Bruno Le Maire na Economia ou os responsáveis pelo Interior e pela Justiça.


Não obstante, sempre surgem pequenos sinais de mudança, visíveis no marcante caso do novo ministro da Educação (o franco-senegalês e especialista de assuntos de minorias e discriminações raciais Pap Ndiaye, em manifesto contraste com o republicano clássico que era Jean-Michel Blanquer) e na nomeação, em plena guerra, de novos ministros nas áreas de soberania (Catherine Colonna nos Negócios Estrangeiros ― vinda da embaixada em Londres para substituir o calejado Jean-Yves Le Drian, no poder desde os tempos de Hollande e agora a caminho da aposentação ― e Sébastien Lecornu na Defesa ― vindo de uma larga polivalência funcional, mais recentemente na dimensão ultramarina, para substituir a ex-titular Florence Parly). Outras dimensões curiosas a assinalar serão a de uma nova arquitetura para o tratamento da questão ambiental, com a aparentemente estranha cisão da anterior pasta da Ecologia em duas (Transição Ecológica e Coesão dos Territórios mais Transição Energética), e a das designações sempre franco-francesas de alguns postos (o caso mais saliente é o do ministro Le Maire, que será da Economia, Finanças e Soberania Industrial e Digital, mas há também o ministério da Agricultura e Soberania Alimentar ou o da Transformação e da Função Públicas, além de um ministro delegado encarregado do Comércio Externo e da Atratividade, de uma ministra da Saúde e Prevenção e da já citada junção da transição ecológica à coesão dos territórios).

 

Importa agora perceber até que ponto esta opção de Macron pelo equilibrismo responde eficazmente ao desafio da união das esquerdas, elas também por sua vez obrigadas a um difícil jogo de equilíbrios em face das suas manifestas diferenças de posicionamento ideológico-político e das fortes divisões existentes no seio do PSF; sendo que o programa da Nupes é, segundo alguns analistas, muito mais uma partilhada “união de medidas” que privilegia certos temas mais consensualizáveis e tende a esconder os temas não resolvidos e provavelmente irresolúveis, como o europeu (que conseguiram bifurcar para uma abordagem quase estritamente centrada nas dimensões de justiça social e de ambiente). A lógica e o sistema eleitoral parecem apontar para um resultado confortável para o lado do Presidente, mas tem sido curioso e divertido observar o modo inteligente como Mélenchon tem procurado contrariar tal favoritismo e manter-se numa corrida que corresponderá seguramente à sua última oportunidade.


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