domingo, 15 de maio de 2022

RETÓRICAS DIFERENCIADAS SOBRE OS OBJETIVOS DA GUERRA

 

                                                            (Londongrado)

(Regresso do tema do meu último post, desenvolvendo um pouco mais em torno da inexistência de um plano objetivo e bem definido relativamente ao que se pretende atingir com a ajuda inquestionável à Ucrânia. Parece tratar-se de coisa supérflua quando aparentemente o mundo que preza a liberdade está unido na condenação da invasão e na necessidade de ajudar o país invadido. Mas para lá da retórica dessa aprovação, a inquietação surge quando se analisam friamente as posições de quem ajuda e se tenta perceber o que está em causa nesse apoio. Por isso falo de retóricas diferenciadas e do significado que tais diferenças representam…)

Tenho procurado identificar posições oficiais dos vários blocos para caracterizar as tais retóricas diferenciadas.

Quanto aos EUA, o Secretário da Defesa americano Lloyd Austin foi muito claro quando sublinhou que os EUA pretendem que a Rússia saia enfraquecida de modo a não ameaçar de novo os países vizinhos. Quanto ao Reino Unido, a Secretárias do Negócios Estrangeiros Liz Truss foi ainda mais clara e perentória quando referiu que o RU pretende expulsar a Rússia de todo o território da Ucrânia, podendo implicitamente interpretar-se que o objetivo é inclusivamente colocar a Rússia numa posição inferior à que já apresentava em 24 de fevereiro, ou seja, suprimindo a sua presença na Crimeia e reduzindo o seu controlo nos territórios separatistas de Donetz e Lubansk. Quanto à União Europeia, embora mais timorata nos seus desígnios, identifiquei declarações de Ursula von der Leyen afirmando que a União Europeia pretende que a Ucrânia ganhe a guerra.

Do lado não diretamente comprometido com o apoio à Ucrânia, e estamos a falar essencialmente da China, não é por acaso que é difícil, senão impossível, apanhar uma declaração oficial do Governo chinês quanto a esta matéria, se bem que as autoridades chinesas se tenham apressado em louvor a aparente moderação do discurso de Putin, já aqui referido, nas cerimónias do 9 de maio em Moscovo. A posição da China é de grande melindre, pois o desfecho da invasão russa da Ucrânia é uma espécie de farol acerca do que é consentido pela comunidade internacional e o dinamismo de Taiwan continua a ser uma espinha na garganta das autoridades chinesas.

Nigel Gould-Davies sublinha com pertinência no New York Times (link aqui) que a retórica dos objetivos associados à ajuda à Ucrânia tem evoluído à medida que o próprio terreno da guerra fornece novas indicações sobre a dimensão relativa das forças em presença. O jornalista sublinha que as primeiras expressões de objetivos eram mais no sentido de evitar que a Rússia alcançasse determinadas posições que influenciariam irreversivelmente as possíveis e desejadas negociações futuras. Assim, por exemplo, já lá vai a vontade de evitar a colocação de um regime fantoche em Kiev, já que os Russos soçobraram nessa tentativa. Lentamente, a posição evoluiu para impedir que a Rússia ficasse em melhor posição negocial do que a que tinha antes da invasão: o controlo da Crimeia (perante a quase indiferença do Ocidente) e o controlo relativo dos territórios ucranianos atingidos pelo separatismo da população russa aí residente.

Não é fácil compreender a evolução diferenciada da retórica ocidental, fortemente determinada pela liderança americana e britânica, que aponta não para evitar situações mas para atingir resultados mais ambiciosos. Parece entretanto evidente que as saídas que passam por uma paz acompanhada de perda de território ucraniano são contraditórias com o desejo de terminar o conflito o mais cedo possível. De facto, a anuência da Ucrânia a uma saída dessa natureza pressuporia uma extensão temporal do conflito e o agravamento dos danos Ucranianos para além do suportável.

O jornalista do NYT avança com uma comparação histórica contundente: a indefinição de objetivos a ocidente prolongou para além do inadmissível a Guerra na Bósnia e conduziu o número de mortes a uma dimensão que rondou as 100.000 vidas.

Entretanto para complicar tudo isto, acaba de ser aberta no Reino Unido uma investigação de rastreio sobre uma linha de donativos aos Conservadores no quadro da vitória de Boris Johnson em 2019, que tem origem russa, embora realizada aparentemente por milionários com residência no Reino Unido. A personagem chave nesses movimentos de beneméritos foi um negociador de arte Ehud Shleg que, pendem bem, foi nomeado por Johnson após a sua vitória como Tesoureiro do partido Conservador.

Há cada coincidência …

 

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