quarta-feira, 4 de maio de 2022

AUMENTOS DURADOUROS OU PASSAGEIROS?

(Aurélien Froment, “Aurel”, http://lemonde.fr)


Se há tema que voltou em pleno ao primeiro plano das atenções dos economistas um pouco por toda a parte, esse é o da inflação (conceito que mereceria certamente algumas alusões teóricas importantes, nomeadamente recuperando o muito que sobre ele se investigou num passado já relativamente distante e que tanto se esquece nas vulgatas do presente, programa que deixarei para uma ocasião em que esteja mais folgado e propenso à especulação). Com as dinâmicas inflacionistas em presença a serem objeto de leituras significativamente diversas do lado de lá e de cá do Atlântico (o que o meu colega de blogue aqui tem explorado de forma bastante bem explicativa e relativamente exaustiva, sobretudo quanto ao lado de lá), estando os europeus bastante mais presos à ideia de que o ressurgir do fenómeno poderá ser bastante mais conjuntural (perturbações nas cadeias de abastecimento resultantes da pandemia e da guerra na Ucrânia ou alterações bruscas dos preços da energia como efeito largamente proveniente da guerra) do que algo estrutural e que estará aí para durar; vejam-se as compreensíveis hesitações que grassam no quadro do BCE, também muito associadas ao tornado viciante track record da Instituição desde que Draghi produziu aquele whatever it takes de 2012, hesitações que a Senhora Lagarde tem alardeado de modo bastante visível e desejavelmente rassurant para países e mercados.


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Ao invés de todas as dúvidas metódicas que dominam os debates europeus e internacionais, a coisa por cá é aparentemente mais simples. Até porque quem por cá diz como é são os nossos inenarráveis políticos, a começar pelo primeiro-ministro (agora sempre secundado pelo seu novo duplo, o ministro das Finanças, mas sempre obrigado a ter em conta os ditos presidenciais) e a continuar nas oposições (designadamente naquelas que agora reconstroem uma agenda clara de contestação em nome da defesa dos trabalhadores). E uns e outros esfalfam-se a esgrimir entre si argumentos (?) que verdadeiramente pouco têm de fundamentados ou convincentes. Enquanto os paus vão e vêm, procurei ver a coisa em perspetiva, olhando para o que os dados do INE nos permitem perceber: historicamente, e em síntese, que estamos ao mesmo tempo longe de épocas fortemente inflacionistas como as que vivemos nos anos 70 e 80 do século passado e a rondar uma situação de alguma gravidade se atendermos a que a taxa de variação homóloga por cá registada neste abril é a mais elevada desde março de 1993 (vejam-se os gráficos abaixo para mais detalhes, designadamente quanto ao push energético); focalizando preferencialmente o período presente, que os preços nacionais estão de facto a crescer marcadamente desde o início do ano (momento em que passaram a subir acima da média da Zona Euro) e que existe uma efetiva contaminação dos aumentos que se verificam na energia e nos bens alimentares essenciais à generalidade dos preços no cabaz de compras português, assim tornando defensável a ideia de uma possível desaceleração da inflação se vierem a surgir minorados os choques externos, embora não sendo em contrapartida de afastar que a “inflação subjacente” (indicador de alterações dos outros preços, mais indiferentes a choques temporários) possa manter sustentavelmente níveis de aceleração relevantes. Ou seja: que prevalece uma grande incerteza, a qual apenas é derrotada pelas certezas que a cada hora nos exibem os principais arautos da nossa especialíssima “inteligência” política, entre as proclamadas capacidades inexcedíveis de uns para controlarem preços e as proclamadas impotências que outros lhes atribuem para dominar o monstro que inelutavelmente estará a atingir as condições de vida do povo.


(construção própria a partir de https://www.ine.pt)

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