quinta-feira, 19 de maio de 2022

AFINAL AS SANÇÕES …

 

                                            (Matthew Klein, The Over Shoot)

(A discussão sobre a eficácia ou desacerto das sanções económicas lançadas sobre a Rússia à medida que EUA, Reino Unido e União Europeia se esmeram na ajuda militar possível à Ucrânia é complexa e a resposta que vai sendo possível encontrar tem nuances. Já se percebeu que as sanções sobre os oligarcas como forma de pressão dissuasora sobre o regime de Putin não funciona por duas razões: primeiro, na Rússia não temos uma oligarquia mas uma autocracia; segundo, porque existe sempre um paraíso fiscal para acomodar o pilim das mais estranhas origens. Mas a questão não é assim tão taxativa noutras dimensões das sanções. Parece ser o caso do bloqueio comercial à Rússia em termos de importações e exportações. O mais intrigante e por isso sujeito a erros de cálculo, é que essa conclusão não resulta de cálculos e evidência diretos, mas antes de porfiadas abordagens indiretas. Por isso, talvez mais do que esses cálculos indiretos das dificuldades russas, os problemas militares no terreno sejam a evidência mais conclusiva. Explico-me …)

A generalidade dos repórteres de guerra não comprometidos com as posições de Putin e com alguma capacidade crítica de ler a informação proveniente do país invadido têm sido unânimes nos últimos dias em afirmar que algo se passa na capacidade ofensiva russa. A concentração de objetivos militares no leste da Ucrânia, no Donbass, parece não ser motivo suficientemente lógico para explicar a perda de capacidade militar que o exército russo está alegadamente a revelar.

Têm-se multiplicado as interpretações que apontam para dificuldades notórias de substituição de armamento russo e por mais que a indústria pesada soviética tenha sido tirada do armário da destruição por Putin a sua capacidade de produção estará sempre limitada pela indisponibilidade de materiais, equipamentos e consumos intermédios que o Exército russo dava por adquiridas através da fluidez do comércio internacional. Por isso, economistas como Branko Milanovic, tantas vezes aqui citado, têm sublinhado que mesmo que os russos se dediquem apressadamente a uma substituição de importações para aumentar o peso da produção nacional no mercado interno russo, só o poderão fazer segundo uma estratégia tecnologicamente regressiva. O que é a mesma coisa que dizer que só o poderão fazer com tecnologia de segunda e terceira escolha, já que a tecnologia de melhor qualidade está-lhe hoje vedada pelo bloqueio comercial a que a economia russa está sujeita por via das sanções económicas.

A pergunta óbvia é a de saber como que é que os economistas podem confirmar que as exportações ocidentais para a Rússia estão a soçobrar quando Putin proibiu a publicação de estatísticas do seu comércio externo (exportações e importações), entendendo que essas estatísticas em tempo de guerra constituem segredo de Estado.

Como o astuto Matthew Klein nos mostra no The Over Shoot, houve quem se dedicasse a explorar uma via indireta, calculando por uma porta travessa as importações russas, bastando para isso seguir as exportações de países anteriormente exportadores para a Rússia e que o deixaram de fazer na sequência das sucessivas vagas de sanções decretadas para punir a ousadia bélica de Putin. Ou seja, a substituição de mísseis, navios, tanques, aviões e equipamento militar de toda a natureza não pode ser substituido à medida que a engenhosidade, primeiro, e a força do equipamento entretanto recebido do Ocidente, depois, se vai encarregando de mandar para a sucata essa força de combate. Estará a assistir-se a um mais do que vulgar esgotamento de stocks sem quaisquer possibilidades de no tempo curto os reabastecer com novo material.

Ou, por palavras mais diretas, as sanções económicas estarão afinal a produzir efeitos, não do ponto de vista da penalização da vida dos russos e da degradação da confiança dos russos, alertando-os assim para a realidade e gravidade da guerra, mas atingindo o coração do poderio militar. O mês de março terá representado uma queda de 50% de importações face à média do período setembro 2021-fevereiro 2022.

É de facto uma explicação plausível para esta repentina perda de força militar de combate, mesmo que tenhamos de relativizar esta evidência, pois como se costuma dizer os russos foram inicialmente com tudo para a invasão. Não quero ser cabalístico ou simplesmente mauzinho, mas apetece perguntar se foram as dificuldades determinadas pelo bloqueio de importações que atinge a economia russa a explicar o maior entusiasmo e força de ajuda de equipamento militar do Ocidente? Avaliação de risco e perceção de que pode estar mais facilitada a reofensiva ucraniana para recuperar posições e ganhar poder negocial? Não me admiraria nada que o fosse.

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