quinta-feira, 19 de maio de 2022

ESVAZIANDO O COPO CHEIO DO NOSSO CRESCIMENTO

Foram esta semana divulgadas as projeções da Primavera da Comissão Europeia e o triunfalismo dos que teimam em nos posicionar como simplesmente bestiais logo por cá se levantou em todo o seu esplendor, fruto certamente do facto de Portugal não só surgir como o país europeu que mais irá crescer em 2022 como também o único de dois (o outro são os Países Baixos) que não viu as previsões pioradas em relação às do Outono (leia-se, ao período algo menos incerto que antecedeu a guerra da Ucrânia). Assim se pretendendo confirmar mais um sucesso nacional, bem traduzido no gráfico anterior segundo o qual o PIB português ganha 4,4% face a 2019 e cresce mais do que o da Zona Euro (3,6% em relação àquela mesma base pré-pandémica).

 

Vitórias escassamente concludentes, digo eu, já que o essencial do que carateriza a nossa situação permanece largamente constante. Senão vejamos: como o próprio documento elucida, e Paolo Gentiloni sublinhou na sua apresentação, é o crescimento do turismo a principal razão de ser da excecionalidade em causa (muito também por via do que esteve subjacente à nota presidencial quanto a sermos “beneficiários líquidos” da guerra), havendo por isso que encarar com alguma cautela a dimensão estritamente conjuntural do referido registo; depois, a Europa evidencia claramente uma quebra de crescimento que com razoabilidade só deveria conduzir a um menor atrevimento quanto ao nosso potencial de evolução nos grandes mercados de destino exportador durante os anos próximos; por fim, e recorrendo comparativamente a outras estimativas, tudo indica que a Comissão foi desta vez otimista em excesso quanto ao que nos poderá estar reservado (vejam-se as previsões do FMI, divulgadas quase em simultâneo, e do próprio Governo). Tudo apontando, afinal, para a permanência de uma questão estrutural enquanto limitação de fundo da nossa dinâmica económica.



 

E lá nos vemos reconduzidos à velha problemática do (não) crescimento nacional, seja por razões que elegantemente a Comissão gosta de classificar de middle income trap (o que não deixa de ser uma formulação a ter em conta) seja pelas diversas razões através das quais a maioria dos nossos especialistas e agentes económicos já consensualizou a realidade da nossa estagnação desde o início do presente século (fraca produtividade, insuficiente capacidade de inovação, modelo territorial inibidor, etc. etc.); com os responsáveis políticos a insistirem na enorme proeza que lograram com os infinitesimais níveis acrescidos de crescimento português em relação à Europa alcançados durante os seus tendencialmente milagrosos mandatos...

 

Voltei a refazer (com a correspondente atualização) as contas. E os gráficos resultantes são reproduzidos abaixo. No primeiro, reportando as taxas anuais de crescimento do PIB português e europeu durante vinte e três anos (os vinte e um já transcorridos e os dois agora abrangidos pela projeção da Comissão), vemos com clareza que apenas estivemos acima da média dos nossos parceiros (e sempre ligeiramente) em cinco anos, o que poderá repetir-se nos dois próximos ― poucochinho, convenhamos! No segundo, reconduzindo Portugal e a União Europeia a um ponto de partida comum (o ano 2000), calculamos o posicionamento comparado das duas realidades económicas ao longo de todo o período e no seu final ― apesar de todo um crescimento tão declarado como magnífico, incluindo o recorde deste ano de 2022, estaremos em 2023 a um nível apenas quase 20% acima do de 2000 (não é pífio crescer assim em mais de 20 anos?) contra os 36% dos nossos parceiros (valor igualmente insuscetível de grande glorificação). Ou seja: não é que com tal evidência me sinta minimamente satisfeito, mas sempre julgo preferível que mantenhamos a cabeça conscientemente arrumada do que embandeiremos em discursatas lamentáveis e constrangedoras face à ideia cada vez mais justa de que o que importaria seria que nos puséssemos todos a fazer aquilo que de substantivo teríamos que fazer para que “isto” mudasse; com a ajuda da bazuca sim senhor, mas principalmente com a força de uma sociedade mais desperta e enérgica e que quisesse saber de outras coisas indispensáveis para além de captação de dinheiro europeu e muita construção civil.


(Elaboração própria a partir de https://ec.europa.eu/eurostat)

(Elaboração própria a partir de https://ec.europa.eu/eurostat)

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

(Luís Afonso, “Bartoon”, https://www.publico.pt)

Sem comentários:

Enviar um comentário