sábado, 7 de maio de 2022

JÁ NÃO HÁ PACHORRA PARA OS BARRETOS DESTE PAÍS


 

(Diz-me o meu colega de blogue que teremos atingido os 9.500 posts, o que é de facto obra e prova de persistência, no meu caso mais uma terapia pessoal para apagar a saudade das lides universitárias do que propriamente uma prova de persistência, atributo que tenho de confessar nunca foi a minha praia. E para comemorar esse feito, centro-me na frouxa resposta que António Barreto dá hoje no Público ao corajoso artigo de Luís Valente de Oliveira e Miguel Cadilhe sobre a regionalização, que puseram e bem o dedo na ferida quanto ao primeiro e desbocado artigo de Barreto sobre a reincidência política do tema da regionalização.

Já há muito tempo que cheguei à conclusão que a tentativa de convencer os detratores da regionalização, entre os quais António Barreto ocupa um lugar de destaque, é uma pura perda de tempo. Se há coisa de que me posso orgulhar é não perder tempo com coisas e debates em que há uma desigualdade incontornável: só uma das partes acredita no valor da razão e do argumento, enquanto que a outra se limita a passear a sua falta de seriedade e de investimento na reflexão sobre o tema em debate.

A resposta de Barreto hoje no Público é um vazio de coisa nenhuma, percebe-se que o cronista é nas suas entranhas contra o risco da construção de identidades regionais em Portugal que, concordo, só nos Açores e na Madeira existem de modo a possibilitar uma construção da regionalização a partir de identidades bem definidas. Mas a pobreza intelectual do artigo é confrangedora, pois não há um argumento que seja de Oliveira e Cadilhe que seja rebatido. Barreto assume a aura de um senador que não quer misturar-se com a ralé das autonomias regionais. Gosta de invocar a sua proximidade a algumas joias do interior, recordamo-nos das suas invocações do Solar de Mateus em Vila Real e da sua ambiência, do Douro e do seu ar telúrico, mas enquanto visitante convidado, diletante quanto baste, não como alguém comprometido com o fazer vingar essas iniciativas e interessado em fazer delas uma outra bandeira de ver e interpretar o país. A visita e o convite acabam e o senador regressa ao seu ambiente natural das proximidades da Lapa, amargurado com as suas angústias de quem vive num País com o qual não consegue gerar muitas cumplicidades.

Por isso não tenho pachorra para gastar meninges com gente que não quer entender uma questão fundamental. Não, não são os defensores da regionalização que têm de agilizar os seus argumentos. Quem tem de o fazer são as pessoas que ganharam o referendo do não à regionalização com o argumento que ela não era necessária, que a descentralização bastaria para evitar essa aventura. Já passaram demasiados anos e esse argumento nunca chegou. O modelo de desenvolvimento de Portugal está cada vez mais comprometido e encalhado precisamente pelo facto de Portugal ser um elefante de centralização, desperdiçando por isso e por essa via uma fração considerável dos seus recursos, ou como se diz agora dos seus ativos. Temos vindo a marrar em mais do mesmo e a territorialização descentralizadora está hoje pelas ruas da amargura. A preparação do período de programação 2021-2027 é de novo concretizada com um modelo de fato único a que as diferentes regiões de planeamento NUTS II lá se vão adaptando como podem, com a Comissão Europeia a encolher os ombros e a não querer intervir em matéria tão gritante. Uma Comissão Europeia que assume o ridículo de desistir ela própria de integrar a política agrícola com as políticas da coesão numa das maiores imbecilidades institucionais de que tenho memória.

Quem argumentou a favor do não à regionalização fê-lo com o pressuposto de “que não havia necessidade”. Ora, o que sabemos hoje é que Portugal é demasiado diverso para continuar a acreditar na lengalenga de que tudo pode ser descentralizado e assim evitar o risco da aventura. Já dediquei muito tempo de pesquisa e reflexão a denunciar os inúmeros obstáculos a implementar uma decente territorialização das políticas públicas em Portugal que poderia ser entendida como um sucedâneo remoto da regionalização. Esgotada essa via, resta a experimentação rigorosamente controlada.

Por isso, já não tenho pachorra para aguentar tanta desonestidade intelectual. Sim, desonestidade intelectual de quem se julga o suprassumo da consciência crítica nacional, a quem os jornais portugueses dedicam tanta atenção, porque pelos vistos “o mais do mesmo” está na moda e é tolerado pelas audiências.

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