(Partindo do post de ontem, é fácil perceber que a questão do tecno-otimismo (ou pessimismo) tem sido um debate algo recorrente e que acompanha a própria história da inovação tecnológica. Ele tanto recrudesce como esvazia o entusiasmo com que se apresenta, muito em função das inovações e das tecnologias que ocupam com maior centralidade o debate mediático. Foi assim com a discussão inicial de algo então vago e difuso nos seus conteúdos e limites como eram as tecnologias de informação e comunicação, as célebres TIC. Regressou com a centralidade das tecnologias de robotização e automação. Animou de novo com as tecnologias digitais. Não há propriamente, como compreendem, delimitações rigorosas entre estas tecnologias. Existe sim um contínuo evolutivo. Aceito que existe um novo foco e esse é indiscutivelmente a questão da inteligência artificial. Pode então questionar-se o que é que esta traz de novo à questão do tecno-otimismo (pessimismo). É esse o tema do post de hoje, coincidindo este meu interesse com a tentativa de na Quaternaire começar a discutir-se essa questão segundo este mote: como deve comportar-se uma consultora de pequena dimensão em relação à inteligência artificial?.)
Pelo que me tenho apercebido, a inteligência artificial (IA) tem influenciado contraditoriamente o debate sobre o tecno-otimismo-pessimismo. Em termos recorrentes face ao passado, a IA apresenta-se sob a forma de séria ameaça a algumas profissões e, consequentemente, ao emprego. É uma questão recorrente mas apresenta-se com sérias novidades. Em meu entender, a maior dessas novidades é a ameaça pairar inclusivamente sobre profissões e empregos que podem considerar-se centrais nas tecnologias digitais – os programadores. Nessa perspetiva, estamos perante um tipo de ameaça de proporções mais sensíveis, pois não era comum até agora a libertação de emprego acontecer no coração do paradigma tecnológico que está a ser analisado. Todos os estudos que tenho consultado apontam para essa realidade. Há dias, alguém me dizia, que na esfera da investigação universitária há hoje gente a prescindir de programadores para modelos mais simples de suporte à investigação, recorrendo aos programas de inteligência artificial para o fazer. Ora isto é uma novidade e que novidade. Mas as mesmas fontes bibliográficas de investigação apontam para outras profissões, advogados, solicitadores, tradutores e também esta semana alguém me dizia haver já software para que eu possa escrever um texto ou relatório e solicitar a esse mesmo software que o adapte ao contexto e às condições em que o quero comunicar. Revolucionário, não? Ou simplesmente o espanto normal que outras tecnologias despertaram no início da sua disseminação? São sobretudo os desenvolvimentos na área da aprendizagem automática (machine learning) e no reconhecimento de padrões/imagens que colocam a IA num patamar mais elevado de transformação, proporcionando que as máquinas digitais possam alargar extraordinariamente o seu espectro de aplicações e tarefas.
Um tecno-otimista, mesmo que moderado, dirá que no passado essas profissões adaptar-se-ão e passarão a conviver com mais uma inovação tecnológica. A inovação é sinónimo de indeterminação e só a posteriori poderemos compreender os rumos da difusão e adaptação de processos que vai suscitar.
Só mais recentemente começam a surgir os primeiros estudos sobre o potencial económico da IA em termos de aumentos potenciais de produtividade e, por essa via, de crescimento económico. Na sempre confiável Foreign Affairs, James Manyika e Michael Spence (este último Nobel de Economia en 2001) convocam um estudo de junho de 2023 da Mc Kinsey, o qual avança com um número impactante: a IA generativa, ou seja a que pode gerar imagens, textos, vídeos e outros produtos face a um pedido, poderia trazer à economia mundial mais de 4 milhões de milhões (triliões) de dólares. O valor estimado para a IA não generativa e outras formas de automação cifrar-se-iam em 11 milhões de milhões de dólares. Todo este impacto potencial resultaria dos efeitos da IA sobre a produtividade.
Os dois autores sublinham com oportunidade que a concretização desses efeitos potenciais a precipitarem-se com alguma rapidez, o que não é nada seguro, pois existe o problema da coevolução institucional, organizacional e das qualificações de que falei no meu post de ontem, aconteceriam no tempo certo, que eles designam acertadamente de “Great slowdown”. A situação macroeconómica e política global precipita para baixo a produtividade, acrescentando dúvidas às conhecidas teses do economista Robert Gordon sobre a exaustão do progresso tecnológico em termos de crescimento da produtividade e do produto. O estudo da McKinsey é corroborado por estudos mais concretos, focados em algumas profissões e processos de trabalho, a grande maioria dos quais aponta para aumentos de produtividade potencial muito elevados.
Será que a realidade vai dar força ao tecno-otimismo por via da IA?
Não será difícil encontrar no passado, relativamente a outras inovações tecnológicas, otimismos similares de impactos sobre o crescimento económico a e produtividade. Sabemos também que no tempo muito longo o crescimento do bem-estar material e do salário real assentam indiscutivelmente no binómio inovação tecnológica-aumento de produtividade. Mas não é de tempo longo que falamos quando discutimos o tecno-otimismo-pessimismo. É de períodos mais curtos de gerações de vida ativa. Será que a coevolução institucional, organizacional e de qualificações irá facilitar a vida ao tecno-otimismo? Diria que das três frentes atrás assinaladas a que me parece que reagirá melhor é da educação-formação. Quanto às restantes, tenho a intuição de que estarão ainda para vir os modelos de organização das empresas e das instituições que favoreçam o impacto económico da IA. O controlo do poder hierárquico é ainda muito forte. Que o digam os jovens mais competentes e tecnicamente apetrechados marginalizados dos processos de decisão e eternamente condicionados pelos chamados senadores. Dispenso-me de os nomear.
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