Uma chamada de atenção para a excelente peça sobre a Irlanda que foi recentemente assinada por Martin Arnold no “Financial Times” (“Ireland’s wild data is leaving economists stumped”). Sendo que o tema releva especialmente na medida em que somos quase diariamente confrontados com essa maravilha de país-exemplo de uma estratégia de desenvolvimento, ademais afirmando-se quanto o sucesso do chamado “tigre irlandês” nos deveria envergonhar em termos de desempenho comparado. É que já não há pachorra para ler e ouvir os detratores de Portugal com base num recurso ao caso irlandês, não porque Portugal não tenha imensos pontos fracos altamente criticáveis (como aqui amplamente temos procurado demonstrar) mas simplesmente porque tal corresponde a algo que pouco pode ter a ver com um qualquer possível seguidismo em relação à dinâmica daquele dito “tigre”. Desde logo, e para não ir mais longe, quer porque não falamos inglês de raiz nem temos um número significativo de cidadãos americanos com origens mais ou menos remotas nas nossas paragens, quer porque não somos nem conseguimos ser uma espécie de paraíso fiscal no contexto europeu.
Como escreve aquele autor, aliás de forma claríssima: “As estatísticas da Zona Euro têm sido seriamente distorcidas pelos grupos tecnológicos e farmacêuticos americanos que encontraram uma base em Dublin. (...) A razão é que muitas das maiores empresas tecnológicas e farmacêuticas dos EUA sediaram as suas operações internacionais na Irlanda para beneficiarem das vantagens da relativamente baixa taxa de imposto de 12,5 por cento sobre as sociedades do país. Grupos como a Apple e a Pfizer recorrem crescentemente à produção por contrato ou a acordos comerciais para terem os seus produtos fabricados em países de baixo custo, frequentemente na Ásia, mas mantêm os direitos de propriedade intelectual e os rendimentos nas suas subsidiárias irlandesas. Grande parte das receitas que estas empresas registam nas suas unidades irlandesas provém de atividades que criam poucos empregos ou rendimentos para os residentes da Irlanda ou de qualquer outro lugar da Europa. Não obstante, elas ainda têm um impacto maciço nas perceções sobre como aquela economia da região se vai comportando.”
A crescente divergência entre os registos do Produto Interno Bruto irlandês e os do seu Rendimento Nacional Bruto (que subtrai àquele indicador os rendimentos externos líquidos, ou seja e principalmente, os lucros expatriados para o exterior) corresponde a uma boa e não negligenciável ilustração de quanto o modelo irlandês é verdadeiramente um special case e, portanto, não replicável em realidades como a portuguesa. Deixemo-nos de tretas, pois, e estudemos melhor e com o devido cuidado o que queremos comentar ou criticar ― para que a preguiça do facilitismo não resulte num lamentável logro...
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