segunda-feira, 23 de outubro de 2023

SEREMOS TODOS TECNO-OTIMISTAS?

 


(Compreendo que, nos tempos que correm, com as guerras implacáveis e destruidoras que, ora mais mediatizadas, ora mais perdidas na indiferença humana dos que estão longe dos acontecimentos, espelhando cada vez mais a força e a sofisticação da tecnologia, seja arriscado discutir o tecno-otimismo nas sociedades de hoje. Mas se tivermos em conta que quando falamos de tecnologia falamos de ideias e de produção de conhecimento que ganham valor económico, também compreendemos que a luta contra a pandemia do COVID e a corrida das vacinas representaram uma evidência clara da força da ciência e da tecnologia. E mesmo quando fenómenos como o da inteligência artificial nos interpelam e dele desconfiamos rapidamente se chega à conclusão que seria tolo deixarmo-nos afundar como o macaco, valendo mais a pena aprender a organizar-nos com o recurso a essa mesma inteligência artificial, afinando os termos em que a possamos utilizar em nosso proveito. O sempre perspicaz Noah Smith oferece-nos alguns pensamentos sobre a sua própria maneira de entender e defender o tecno-otimismo, que me pareceram um bom pretexto para regressar ao tema, apesar de atravessarmos tempos em que a tecnologia faz parte das forças do mal ou foi por estas apropriada.)

Nesta breve reflexão sobre o tecno-otimismo deixaremos de fora das cogitações a questão do impacto sobre o emprego. Nessa matéria a minha posição é clara e tenho fundamentos históricos para a assumir sem incómodo algum. O tempo longo favorece a relação entre tecnologia e emprego, ou seja, no longo prazo tecnologia e a inovação não foram historicamente destruidoras de emprego. O mesmo como é óbvio não poderá dizer-se nos momentos conjunturais de introdução de novas tecnologias. A destruição de emprego acompanha normalmente esses surtos de inovação e, enquanto a geração de novos empregos ditada pela inovação não for superior ao volume de empregos que destrói, haverá gente que perde o seu emprego e entrará num período difícil de tentar recuperá-lo ou de encontrar uma outra atividade correspondente às suas qualificações ou à formação que possa realizar.

Mas deixemos de fora essa dimensão do debate, pois é mais conhecida e tende a ser recorrente em momentos de grande intensidade de introdução de novas inovações como por estes dias acontece.

A abordagem dos quatro quadrantes proposta por Smith é inspiradora. Segundo esta proposta analítica, teremos duas formas de nos situar no tecno-otimismo. Em termos de otimismo positivo, discutiremos se ele é ativo defendendo que com as políticas adequadas haverá sempre um mar de tecnologias à nossa espera para serem descobertas ou se é passivo se aceitarmos que a inovação aceitará sempre mesmo que não se mexa uma palha para o tornar possível. Já do ponto de vista do tecno-otimismo normativo diremos que ele é ativo se aceitarmos que a tecnologia melhora sempre as condições de vida no mundo desde que adotemos as políticas certas e que será passivo se pensarmos que a tecnologia melhorará sempre o mundo mesmo que não se intervenha através de políticas pertinentes.

Em tempos de destruição com guerra tecnologicamente sofisticada como aquele que vivemos reconheço que se torna difícil ser tecno-otimista normativo, ativo ou passivo não importa. Está perante nos nossos olhos a evidência da perversa utilização da tecnologia e a horrível mediatização da guerra encarrega-se de o demonstrar à saciedade. Mas se quisermos ser rigorosos, a utilização perversa da ciência e da tecnologia sempre foi uma constante, numa tensão permanente entre o bem e o mal.

E do ponto de vista do tecno-otimismo positivo, os tempos também não estão fáceis. A revolução tecnológica digital em curso já há algum tempo que tarda em evidenciar os seus resultados em termos de crescimento económico e da produtividade. Os tecno-otimistas replicarão que é preciso tempo para que as novas ondas tecnológicas e de inovação produzam efeitos em termos de crescimento e de produtividade, principalmente porque é necessário tempo para a adaptação das empresas e das pessoas a essas tecnologias e nem sempre as qualificações e competências que elas exigem estão disponíveis para mobilização imediata. Por outro lado, tal como o já discutimos neste blogue, é hoje claro que é cada vez mais difícil descobrir ideias novas com potencial de criação de valor económico, medido pelo facto que uma ideia nova exige cada vez mais investigadores e tecnólogos para ser gerada. Por outras palavras, a produtividade da investigação está a descer, pese embora o ambiente excecional de comunicação e de troca de ideias com que a ciência hoje trabalha por esse mundo fora.

Face a este contexto e mobilizando para a minha reflexão a abordagem de Noah Smith, posso dizer que me considero um tecno-otimista crítico, mas não propriamente um tecno-pessimista.

Quanto aos aspetos normativos, acredito na força da política para controlar as perversidades de má utilização da tecnologia. Não creio que seja possível evitar a emergência de perversidades, principalmente porque a própria tecnologia o possibilita. Recorde-se o caso da tão falada “dark web”. Não é mais do que uma perversidade potenciada pela própria tecnologia. Mas apesar disso há condições para mitigar as perversidades e limitá-la.

Quanto aos aspetos positivos, é um facto que a investigação de ideias novas com geração de valor económico é cada mais custosa e menos produtiva. E, por isso, pode tender perigosamente a concentrar-se. Mas o processo de criação das vacinas anti-COVID em tempo recorde mostra que a cooperação de recursos pode contrariar essa tendência, o que significa que a ideia dos rendimentos decrescentes da atividade científica pode ser retardada no tempo. A concentração oligopolística da investigação científica no mundo é perigosa e concentracionária e exige uma regulação sem medo. Ou seja, a política pode contrariar também neste campo a perversidade potencial.

Com este contexto considero-me um tecno-otimista crítico e sobretudo atento a um aspeto que só os evolucionistas compreenderam bem. A tecnologia não pode evoluir dissociadamente da sociedade. Os evolucionistas falam de uma coevolução na organização das empresas e da sociedade e do próprio modelo de estado. Intuo precisamente que são falhas nessa coevolução que têm impedido uma mais notória evidência de efeitos sobre o crescimento e sobre a produtividade. Mas isso é tema para outro fôlego de reflexão.

 

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