(As autoridades israelitas nem sempre são pródigas em contenção de palavras, contribuindo frequentemente para aumentar a combustão do que já tem combustível que baste. Mas, neste caso da brutal ofensiva do Hamas, chamar de 11 de setembro com todo o seu simbolismo trágico aos acontecimentos de 7 de outubro dá bem conta do que virá por aí. A chacina ou massacre de 250 jovens que se divertiam num festival de música e a perseguição casa a casa de civis indefesos não tem qualquer racional aparente que não seja o de precipitar de novo Israel numa retaliação implacável, cujas proporções me considero incapaz de antecipar. À medida que Israel vai acordando do pesadelo e que se vão conhecendo os primeiros contornos da retaliação sobre o território de Gaza, vão estando também disponíveis avaliações mais aprofundadas quer sobre o que representa este “11 de setembro” para a maneira de estar de Israel, quer sobre as possíveis saídas para um regresso mesmo que precário e instável, como sempre foi aliás, a uma paragem das hostilidades. É sobre estes dois aspetos que gostaria hoje de me pronunciar, invocando para isso duas leituras muito sugestivas que fiz neste momento de horror trágico.)
A primeira nota vem de um editorial do Economist de 8 de outubro, na qual se analisa o que é que a ofensiva do Hamas representa para a política que tem prevalecido em Israel relativamente à Palestina, sobretudo no consulado de Binyamin Netanyahu e amigos próximos da direita israelita mais radical. No entendimento do editorialista do Economist, três dimensões dessa política foram pelos ares com a ofensiva por terra, água e ar perpetrada pelas forças do Hamas.
Em primeiro lugar, a ideia de que a segurança israelita estava assegurada com o acantonamento forçado e implacável dos palestinos e o reforço dos serviços de inteligência e meios antiaéreos caiu por terra com a magnitude, poder de coordenação e violência apresentadas pelo ataque do Hamas. A ideia da segurança tão cara aos Israelitas foi desbaratada e do ponto de vista das perceções da população israelita é difícil antecipar que trauma poderá vir a instalar-se entre a população.
A segunda ideia proposta pelo editorialista é a do total falhanço da tentativa de dividir para reinar os representantes palestinos. Com o ataque perpetrado e sobretudo com as negociações políticas que o terão ajudado a concretizar-se, o Hamas anulou praticamente qualquer veleidade de fazer da Fatah de Mahmoud Abbas um representante influente dos Palestinos. Também nessa perspetiva, Israel enfrenta agora um inimigo claro e veremos que combustível estará o Irão interessado em derramar sobre o teatro de guerra.
Em terceiro lugar, toda a diplomacia que Israel (e os EUA) vinham a desenvolver no território do Médio Oriente com a aproximação aos Emiratos Árabes Unidos e à própria Arábia Saudita corre o risco de regressar à estaca zero e, por isso, entendo que curto-circuitar a aproximação entre Israel e a Arábia Saudita terá representado o principal racional desta ofensiva e aí estaria plenamente explicado a cumplicidade do Irão nessa matéria. Os menos céticos terão intuído que o ódio entre sunitas e xiitas estaria mais apaziguado. Os mais céticos como eu entendem que o apaziguamento de um ódio estrutural e religioso não se apazigua por magia. “History matters” e isso explicará que esse ódio está aí para durar.
Do ponto de vista interno a Israel, a queda destas três dimensões da política face à Palestina tenderá inevitavelmente a reforçar as tendências securitárias e a proporcionar um campo mais do que favorável ao incremento do radicalismo de direita, integrando aí a indecorosa política de implantação de novos colunatos na chamada West Bank. E obviamente todo o cenário de antecipação de saídas possíveis mesmo que frágeis e precárias para suspender as hostilidades muda radicalmente.
É a este respeito que me despertou uma intensa curiosidade a nota de Noah Smith sobre a teoria dos três Estados. Sinceramente nunca tinha dado conta dessa possibilidade enquanto proposta escrita. O que Noah Smith nos comenta é a falência óbvia quer da hipótese do único Estado (em que Israelitas e Palestinos conviveriam sob regras apertadas de controlo internacional), quer da hipótese dos “Dos Dois Estados” resultado dos chamados Acordos de Oslo (bons tempos esses em que o ódio foi apaziguado). Esta última hipótese pressupunha um Estado Palestino único, ocupando as faixas de Gaza e a West Bank.
Segundo Smith, a hipótese dos Três Estados implicaria não a ideia da Jordânia anexar a West Bank e o Egito a faixa de Gaza, mas a de dois Estados Palestinos independentes. De facto, a não contiguidade existente entre a faixa de Gaza e a West Bank desacredita, à luz de toda a experiência histórica, a exequibilidade de um Estado único constituído nesse pressuposto territorial. Mas haverá que convir que o avanço na instalação de colunatos israelitas na West Bank tenderá a transformar a hipótese dos Três Estados, com dois Estados Palestinos independentes em árdua concretização.
Daí o meu ceticismo. Se a metáfora do 11 de setembro está correta, então por analogia, mesmo que arriscada, o Médio Oriente não será mais o mesmo. A guerra vai continuar.
Nota final:
A ausência da primeira página do Público na sua versão impressa dos acontecimentos objeto deste post de hoje representa bem a indigência do jornalismo nacional, mesmo o de qualidade. Lamentável.
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