sábado, 28 de outubro de 2023

NOVA ENCRUZILHADA ARGENTINA

(cartoons de Agustin Sciammarella, http://elpais.com) 

Reação atrasada à primeira volta das eleições presidenciais argentinas, apenas para registar aquilo que parece ser o inultrapassável destino dessa maravilhosa e prometedora América Latina. Desta vez, e após a difícil e quase impossível escolha a que ficaram reduzidos os eleitores no maior país daquele subcontinente (o Brasil), cabe ao segundo maior país (a Argentina) deparar-se com uma situação algo idêntica, prolongando a sua agonia política (com os trágicos reflexos económicos que há décadas de manifestam), numa escolha a ter de acontecer entre um esgotado peronismo (protagonizado pelo ministro da Economia Sergio Massa) e um populista de extrema-direita e detentor de propostas quiçá mais absurdas do que as de Bolsonaro (protagonizado por Javier Milei através de uma estética “rockeira” e discursivamente agressiva, num negacionismo das mudanças climáticas e do terrorismo de Estado da ditadura argentina e em propostas tão incendiárias quanto as de uma dolarização da economia, de uma supressão do Banco Central e dos ministério da Saúde, Educação e Obras Públicas, de uma liberalização do uso de armas ou de uma legalização da venda de órgãos humanos). Com efeito, a primeira volta produziu um resultado conducente a tal desfecho, ainda que com o lado positivo de ter sido algo sustida a onda de entusiasmo e apoio (estimulada pela fadiga de amplos setores da classe média e media-baixa e da juventude perante a tremenda e duradoura crise económica que persiste em assolar o país) que parecia envolver o candidato-fantoche (que apenas obteve 30% dos votos, contra os 36,7% de Massa) e com o lado mais duvidoso de a terceira candidata mais votada (Patricia Bullrich, conservadora) ter logrado uma significativa expressão de 23,8% e apelado junto da sua heterogénea base social (alegadamente mais republicana e liberal do que simpatizante de radicalismos arriscados) a um apoio a Milei para derrota do “inimigo principal” (o peronismo e o kirchnerismo).

 

Assim, voltamos a estar defrontados com uma situação de “nem-nem” em termos racionais mas de justificada opção por um mal menor que evite a completa descredibilização da política e, pior, a irresponsável dinamitação das estruturas básicas do sistema democrático. Como escreveu o “El País” em editorial, “Massa tem agora diante de si a tarefa de atrair os votos de todas as forças democráticas.”; ou ainda: “O fardo de Massa é, sem dúvida, grande; e o seu desafio, enorme. Como Ministro da Economia, não foi capaz de dar respostas contra o disparo da inflação, o crescimento da pobreza e a queda do PIB. Mas uma crise económica, por mais grave que seja, não pode servir de desculpa para soluções extremas que põem em perigo consensos básicos como a coexistência, o respeito pelos rivais, a proteção dos excluídos e das minorias e a defesa dos direitos humanos. (...) É importante que, com o acordo de todas as forças políticas que defendem a democracia, este muro de contenção seja reforçado no segundo turno, em 19 de novembro.” Na expectativa de que, apesar do sofrimento infindável que domina a sociedade argentina, possam acabar por ser os sinais de moderação e alguma esperança reformista a prevalecer…

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