Não posso estar mais de acordo com o António Figueiredo quanto ao teor da “magnífica e lúcida entrevista que Martin Wolf realizou com um preparadíssimo Vítor Gonçalves na RTP 3” (ressalvo apenas algum excesso sobre o jornalista, muito oportuno e profissional sem dúvida mas nem sempre focado no que mais importa). Na sequência, Wolf concedeu uma entrevista ao “Público” em que a sua sabedoria de experiência feita ressalta a cada linha. Comecei por apreciar o título escolhido para a chamada de primeira página, que diz quase tudo quanto importa dizer na fase atual das nossa vidas ― “Estamos numa batalha para convencer as pessoas de que a democracia é o melhor sistema”.
Recomendo vivamente a leitura completa das duas páginas do jornal por que a entrevista se espalha, mas transcrevo alguns tópicos elucidativos. Sobre o estado a que chegamos: “Aquilo a que se chama recessão democrática, o declínio das democracias à escala mundial, tem sido lento, mas dura já há quase 20 anos. Há dados que mostram isso, seja no que diz respeito à evolução política no mundo, seja nas atitudes das populações relativamente à democracia. E há neste momento lutas muito significativas em países fundamentais para a democracia. (...) Portanto, olhando para a situação como um todo, acho que o mais otimista que podemos ser é dizer que estamos no meio de uma grande batalha, simultaneamente interna – para convencer as pessoas de que a democracia é o melhor sistema e que aquilo que queremos são líderes democráticos – e externa, contra inimigos muito poderosos.” Neste quadro, são preciosas as referências aos EUA (ameaçados pela captura do Partido Republicano pelo “trumpismo”) e à França que pode vir depois de Macron, tal como sobre algum contraponto a ocorrer na Polónia e no Reino Unido pós-Brexit.
Mais adiante, e sobre razões para tal estado: “A economia não está a conseguir gerar tantos novos empregos bons para as pessoas de médios e baixos rendimentos. A natureza das nossas economias tende a preservar e a gerar mais desigualdade. A capacidade dos Estados para controlar e gerir as economias diminuiu, particularmente na Europa. O crescimento económico abrandou muito, há menos dinamismo económico e existem uma série de mudanças culturais e sociais de longo prazo. E, por todas estas razões, vai ser muito mais difícil.”
Por fim, e sobre “as suas receitas em termos económicos”, que o entrevistador Sérgio Aníbal coloca como centradas na “ideia de que o capitalismo democrático, para sobreviver, tem de ser um capitalismo mais regulado, com mais intervenção do Estado”, e ao que Wolf riposta do seguinte modo: “Certamente tem de ser mais redistributivo, com um maior foco no apoio ao emprego razoavelmente bem remunerado, com muito investimento em infraestruturas e inovação que criem as condições para o crescimento económico. É preciso investir enormemente na educação das pessoas, para se ter uma população altamente qualificada, como aquela que se vê no Norte da Europa. E prosseguir políticas macroeconómicas que sustentem um crescimento económico. Ao mesmo tempo, é necessário algo espetacularmente difícil e complexo de fazer que é gerir a transição climática. Não há receitas mágicas, mas as pessoas precisam de sentir que elas e os seus filhos têm perspetivas de uma vida melhor.”
Em suma, uma lucidez tão óbvia quanto fascinante. Porque incontestavelmente marcada por uma mescla rara de vivência, capacidade de análise, competência e conhecimento histórico e concreto que só está ao alcance dos que conjugam uma larga experiência com uma consolidadamente adquirida assunção democrática.
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