segunda-feira, 2 de outubro de 2023

O QUE TEM A EUROPA PARA OFERECER?

 

                                (Jeroen Blockland - @jsblockland

(Por mais incómoda ou pessimista que a reflexão possa parecer, vale a pena interrogarmo-nos quanto à real capacidade para a Europa afirmar no mundo o seu modelo de organização em sociedade, os valores fundamentais em que está cultural e historicamente sustentada e a vontade de ajudar os que fogem de modelos que atentam contra a liberdade, a vida, o direito ao livre pensamento e a uma vida digna. Num contexto em que a disseminação desses valores estava comprometida e dava sinais de débil disseminação, a guerra da Ucrânia e sobretudo a brutalidade da invasão russa representaram para muitos a oportunidade certa para reavivar essa vontade. Os primeiros tempos dessa reação intensa e determinada criaram a ideia de que a Europa poderia reforçar essa pretensão, mostrando-se bastante unida e concertada, ao contrário do que muitos temiam. Tal como já o referi anteriormente, a tal unanimidade já viveu melhores dias e isso deve-se essencialmente a inúmeros cavalos de Troia que têm vindo a emergir entre as nações europeias. A Itália, a Polónia, a Hungria e agora a Eslováquia evoluíram para regimes cuja convivência com os valores democráticos europeus é cada vez mais um exercício de acrobacia política, senão por vezes de chantagem política pura. Para manter a imagem da concertação, esses países têm praticado um jogo arriscado, por vezes sem pudor, de contrapartidas, cuja elasticidade não é infinita e que no âmbito de uma guerra longa corre o sério risco de ser abalada. Além disso, com o Reino Unido fora da União, a braços com um Brexit que é cada vez mais difícil fazer engolir aos que o apoiaram e com o risco dos EUA enveredarem por derivas pouco recomendáveis, a Europa debate-se com o problema de continuar a ser consequente na ajuda à Ucrânia, ao mesmo tempo que a sua capacidade de demonstração ao mundo de que é um modelo inspirador está cada vez mais débil.)

O mundo e a economia mundial estão cada vez mais em ebulição e hoje é cada vez mais evidente que a Europa não está a capitalizar a crescente animosidade que o modelo americano está a suscitar entre as economias emergentes, num processo que é já anterior à da invasão russa. Países como a Índia, a Indonésia, o Brasil, para não falar da China em tensão com os EUA, buscam uma área de influência própria e isso não está a ser traduzido em qualquer aproximação relevante à Europa. O problema está sobretudo no facto da afirmação de valores que são os nossos, e dos quais não queremos abdicar, não ser acompanhada de uma política de segurança e defesa autónoma em relação aos EUA empobrece o poder de atração dos nossos valores. O mundo está cada vez mais perigoso e sem essa dimensão a afirmação dos valores da liberdade e da democracia corre o risco de não colher os resultados desejados. Por outro lado, a crescente dificuldade da Europa resolver a contento a capacidade de acolhimento dos que buscam desesperadamente a fuga à tragédia da pobreza e da insegurança tende a comprometer adicionalmente o projeto.

Bem sei que o projeto do Euro não pode ser confundido com essa afirmação da Europa como modelo de referência para a valorização da democracia. E, por isso, a tendência que mostra o meu gráfico de hoje não pode ser entendida como uma demonstração rigorosa das dificuldades de afirmação do nosso modelo no mundo.

Mas a queda do Euro como moeda de referência no sistema de pagamentos internacionais quererá dizer alguma coisa.

Ou não?

 

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