(Há dias, num zapping fugidio de fim de domingo, dei com o nosso Grande Oráculo, Le Petit Mignon Mendes, já em parte final de intervenção a tecer considerações, positivas mas apressadas, sobre um qualquer indicador de produtividade, que revelava sinais promissores para o país. Decidi consultar a fonte da OCDE, que me parece a mais fiável e que nos oferece séries mais longas, embora a base de dados já tenha sido descontinuada uma vez, anunciando-se agora que migrará de novo para uma outra plataforma no fim deste ano. Interessava-me sobretudo a evolução da produtividade por hora de trabalho e da chamada produtividade total de fatores ou produtividade multifatorial como também é por vezes designada. Transformei os dados recolhidos em gráficos simples para dar conta do estado da evolução temporal e é sobre esses dois gráficos que construo o post de hoje. A produtividade por hora de trabalho costuma ser apresentada como o nosso grande bloqueio ao crescimento, observando-se que o trabalhador português quando inserido em empresas de matriz organizacional internacional apresenta valores de produto por hora incomparavelmente superiores ao registado a nível interno. À medida que, embora lentamente, as qualificações do emprego vão melhorando estimava-se que essa produtividade pudesse aumentar, ainda que reconhecendo o constrangimento organizacional atrás referido. Quanto à produtividade total de fatores, ela costuma ser apresentada como um indicador imperfeito da eficiência global com que a economia funcional, muito sensível aos custos de contexto. A sua técnica de cálculo não constitui um prodígio de rigor, tendendo os macroeconomistas a considerar que ele abrange tudo o que não conseguimos explicar no crescimento económico e que por isso não conseguimos explicitar nas funções econométricas elaboradas para a estimação desejada.)
Analisemos primeiro a série longa das taxas de variação da produtividade total de fatores.
O período de confinamento ditado pelo controlo da pandemia interrompeu um período de sucessivos aumentos da taxa de variação da produtividade total de fatores, com uma descida de quase 2% em 2020, a que se seguiram em 2021 e 2022 variações positivas. Do ponto de vista do tempo longo, para um ajustamento imperfeito de uma função polinomial de grau 3, parecemos estar numa onda de variações positivas, à qual muito provavelmente um melhor funcionamento da justiça determinaria um crescimento ainda mais pronunciado. Com as suas incontornáveis limitações, a “caixa negra” da produtividade total dos fatores continua, porém, a ser um indicador útil, levantando-se aqui a questão de saber se a economia portuguesa está finalmente a caminhar para níveis de eficiência global e de combinação de fatores mais promissores. Há aspetos que melhoraram acentuadamente como o dos procedimentos necessários de constituição de empresas, mas o edifício do licenciamento continua a suscitar reservas dos principais atores económicos.
Quanto ao comportamento da produtividade por hora trabalhada, parece existir a partir de 2015, com um ajustamento polinomial de grau 3 bastante inferior ao da produtividade total de fatores e ressalvada a interrupção pandémica, uma onda de crescimento da produtividade/hora, com um valor saliente em 2022 de 5,4%, que julgo ter sido o valor que impressionou o oráculo Mendes.
Mesmo que possamos considerar a produtividade/hora um indicador mais perfeito do que o da produtividade/emprego, não podemos esquecer que embora calculado a preços constantes a produtividade/hora continua a ser influenciado pelo numerador e por conseguinte pela faixa de preços (e obviamente de salários) em que se consegue vender os nossos produtos no mercado. Podemos estimar que a relevância do investimento-inovação que tem sido financiado pelos Fundos Europeus e a melhoria de qualificações do emprego que tem sido observada justificará ritmos positivos de crescimento da produtividade, ainda que controlando pelos nossos défices de organização empresarial. Acresce que esta melhoria de 2022 (conjuntural?) coexistiu com um nível elevado de absorção de emprego, que constitui sempre a variante mais positiva de crescimento da produtividade/hora.
Por isso, só nos resta monitorizar este comportamento, ventilá-lo por setores, designadamente entre empresas exportadoras e não exportadoras, aguardando que, finalmente, o círculo virtuoso investimento – qualificação-produtividade esteja em funcionamento.
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