Tempos não muito longínquos houve em que a situação política, económica e social da Grécia suscitava significativos motivos de interesse e, necessariamente também, de preocupação. O nosso blogue está cheio de sinais bem salientes disso mesmo. Esse não foi um período fácil para o povo grego, fortemente atingido e penalizado pela deriva austeritária das autoridades europeias, como não o foi para uma Europa dividida e fortemente abalada num dos seus alegados pilares essenciais, o da solidariedade, com especial impacto negativo nos países economicamente mais frágeis (os PIIGS, de que fazíamos parte, na velhaca designação de alguns notáveis daqueles dias e/ou dos dias de hoje).
À época, foi com a naturalidade de uma autodefesa que a sociedade grega se radicalizou, tendo a dada altura emergido ao comando o líder do Syriza e primeiro-ministro Alexis Tsipras; foram então particularmente marcantes os seus amores e ódios relativamente ao ministro das Finanças inicial (Yanis Varoufakis), a sua combatividade perante os “grandes e poderosos” e finalmente a sua quase capitulação e assumida social-democratização. Tempos que já lá vão mas que definitivamente marcaram a imagem de Tsipras e acabaram por deixar muitas dúvidas sobre o racional das suas opções e por assim inviabilizar qualquer hipótese de uma sua reabilitação política no seio de uma sociedade grega que evoluía ademais no sentido de uma moderação liderada pelo excelente Kyriakos Mitsotakis (“Nova Democracia” e primeiro-ministro de crescente consensualidade); algo de que Tsipras se convenceu após a pesada derrota que sofreu nas últimas eleições, tendo então declarado que seria a ocasião certa para o seu afastamento (após catorze anos) e um correspondente virar de página no partido.
Aberta a sucessão, as forças internas do Syriza posicionaram-se e tudo parecia destinado a uma entrega do poder a alguém próximo das lógicas passadas e parceiro das escolhas que a foram consubstanciando; tudo visto e ponderado, a ex-ministra do Trabalho de Tsipras, Effie Achtsioglou, tornou-se a favorita para uma indigitação certa. Mas os partidos e as pessoas são caixinhas de surpresas e o voto dos militantes e simpatizantes recairia maioritariamente (56,6%) num outsider, Stefanos Kasselakis de seu nome.
Trata-se de um jovem (35 anos) quase desconhecido, que foi analista financeiro da Goldman Sachs (com larga experiência de vida norte-americana, portanto), se apresentou como senhor de um discurso fora da caixa (mas não necessariamente consonante com os clichés da extrema-esquerda) e se assumiu como gay (vivendo maritalmente com um enfermeiro). Sobre a sua experiência de cinco anos naquele banco de investimento, e confrontado com alguns críticos internos, Kasselakis declarou: “Se não tivesse trabalhado para o capital, não teria compreendido a sua arrogância e não seria de esquerda hoje”. Já sobre a sua previsível atuação, foi notório que Kasselakis privilegiou a comunicação à americana relativamente a grandes compromissos programáticos que não os de uma maior aproximação ao centro e os de uma maior abertura a escolhas liberais face a tradições nacionalmente consagradas (maior separação Igreja-Estado ou supressão do serviço militar obrigatório, p.e.) ou em termos sociais ou de usos e costumes (adoção de medidas como a do casamento entre pessoas do mesmo sexo, p.e.), deixando apenas no ar uma indicação vaga e algo misteriosa na referência sintética que fez à sua portabilidade de um “sonho grego”. Um caso claríssimo daquilo que em política se chama “um melão por abrir”, a merecer ser seguido com óbvia curiosidade.
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