quinta-feira, 19 de outubro de 2023

PARA QUE SERVE A AVALIAÇÃO? (ÚLTIMO TAKE)

 


(Regressando ao registo da utilidade das avaliações que será discutida no seminário da AD&C de amanhã em Évora, o modelo que apresentei no último post revela-se operacional, pois as quatro categorias selecionadas, o contexto em que se faz em avaliação em Portugal, o papel de quem contrata e encomenda avaliações em Portugal, a intervenção das equipas de avaliação e os destinatários finais das mesmas avaliações, acabam por cobrir bastante bem todo o universo relacionado com as avaliações. O modelo foi apresentado na sua forma estática, ou seja, analisaram-se os contributos possíveis das quatro categorias para melhorar a utilidade das avaliações. Ele pode obviamente ser complexificado, discutindo as interações que podem desenvolver-se entre si. É o exemplo das relações entre as equipas de avaliação e quem contrata ou encomenda avaliações, entre estas entidades e a tomada de decisão política ou o possível estabelecimento de um canal de comunicação entre quem avalia e os responsáveis pela tomada de decisão política. O post de hoje apresenta algumas reflexões complementares, já muito provavelmente excedendo o âmbito da minha intervenção na mesa-redonda, embora as considere necessárias para afinar a minha argumentação e aproveitando também para desenvolver a minha prática reflexiva de avaliador.)

 


O primeiro elemento complementar a registar prende-se com o contributo determinante do aparato regulamentar dos Fundos Europeus para fazer aumentar a intensidade e diversidade das práticas de avaliação em Portugal. Assiste-se, assim, paradoxalmente, à evidência dos tão criticados Fundos Europeus em Portugal serem responsáveis por uma das raras dimensões de accountability de políticas que vão sendo assumidas no país. É difícil assumir o contrafactual de tudo isto. Se não fossem os Fundos Europeus teríamos hoje a avaliação com a intensidade e diversidade que temos hoje? Provavelmente não, tendo em conta principalmente que o número de processos de avaliação realizados fora do enquadramento regular dos Fundos Europeus é residual e tem tido uma evolução muito lenta, caso por exemplo de alguns programas de habitação. Claro que, atendendo ao caráter extensivo dos Fundos Europeus e ao facto de algumas políticas públicas estarem hoje perigosamente “nas mãos” dos Fundos Europeus, o que resta talvez não tenha massa crítica para justificar a tal desejada cobertura por trabalhos de avaliação. Mas o exemplo da habitação, cujos resultados de avaliação o ministério respetivo continua, para minha incomodidade cívica, a não divulgar, mostra que pode haver um caminho a percorrer e, tal como o referi no post anterior, o Tribunal de Contas e a Inspeção Geral de Finanças bem poderiam investir na matéria para melhor exercer as suas próprias atividades de controlo.

A dependência dos Fundos Europeus para fazer avançar as práticas de avaliação em Portugal pode trazer alguma vulnerabilidade metodológica, pois quer queiramos quer não, o aparato dos Fundos move-se num quadro lógico que está longe de ser o único relativo a processos e políticas de desenvolvimento. Era assim relevante que as práticas de avaliação pudessem tomar contacto com outros referenciais de avaliação no sentido de evitar esse possível efeito de “lock-in” que pode resultar da dependência face ao universo dos Fundos Europeus.

Uma derradeira reflexão complementar respeita à categoria dos destinatários. De acordo com os exemplos concretos de avaliação realizadas nos últimos 20 anos, são as Autoridades de Gestão dos Programas sob avaliação e a própria AD&C que podem ser consideradas os principais destinatários e recetáculos das avaliações realizadas. É uma consequência natural de quem encomenda e contrata. Mas tal como os contributos pioneiros de Carol H. Weiss o sugerem, esta centralidade das Autoridades de Gestão de Programas Europeus suscita o problema de saber qual o tipo de relações existentes entre elas e o aparato da decisão política e governamental em Portugal. Invocando uma forma de linguagem comum nestas matérias, o tipo de pipeline que organiza esse processo pode não assegurar a adequada fluidez de circulação da informação. No âmbito das recomendações que os programas de avaliação tendem a realizar com fundamentação em evidência e nos resultados da própria avaliação, existe a propensão para os gestores dos programas não quererem validar e assumir recomendações que transcendem o seu âmbito de responsabilidade e intervenção. Isto é particularmente relevante quando algumas recomendações se referem a inovação de políticas, contrariando o mainstream da política pública. Significa isto que a questão dos destinatários da avaliação é matéria que está longe de estar clarificada em Portugal. Além disso, escasseiam no mercado avaliações ou meta-avaliações de políticas públicas, nas quais os destinatários já se confundem com a tomada de decisão política.

Por hoje é tudo.

A meteorologia anuncia sol para amanhã em Évora. De mal o menos.

 

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