(Já aqui me referi à infeliz, a expressão menos ofensiva que encontrei, intervenção de Ursula von der Leyen na sua alocução de apoio às posições de Israel na sequência do brutal e inqualificável ataque terrorista do Hamas. A Presidente da Comissão parece não ter resistido ao complexo de culpa que alguma sociedade alemã sustenta em relação ao Holocausto e, nessa linha, os termos da sua declaração ultrapassaram em muito o teor mais equilibrado da decisão tomada a nível europeu, procurando objetivar justificar todas as atrocidades, inclusive as de limpeza étnica, que se esperam da ofensiva terrestre em Gaza. Obviamente que compreendemos o histórico complexo de culpa alemão mas ele não deve comprometer todos os Europeus e sobretudo retirar lucidez às nossas posições, que não podem ignorar que a extrema-direita israelita e o Hamas jogam para se alimentarem mutuamente em direção à aniquilação de quem se apresentar mais fraco no momento do confronto. E neste caso o elo mais fraco são os Palestinos, sobretudo aqueles que não se sentem representados no radicalismo extremo do Hamas. A jornalista Ana Sá Lopes compreendeu isto melhor do que ninguém, num registo que no plano mais pessoal e afetivo Alexandra Lucas Coelho ou mesmo Clara Ferreira Alves já nos tinham alertado.)
As palavras de Ana Sá Lopes são duras e cruas mas estes tempos não estão para palavras mansas:
“(…) O apelo a que não se politiza a guerra já está perdido. “Don’t” disseram Biden e Blinken obviamente com outros objetivos. Mas aqui na Europa, “they do”. (…) A acusação de anti-semitismo está a começar a vulgarizar-se e é o pior serviço a Israel que qualquer pessoa com responsabilidades políticas pode fazer. Antes fôssemos todos animais: haveria mais empatia, se tivessem sido 3000 gatinhos mortos em Israel e na Palestina e não o número de pessoas de carne e osso que foram mortas dos dois lados. Os termos da discussão política e mesmo nas mais altas instâncias, a começar pela presidente da Comissão – são indignos e limitam-se à desumanidade que é a de cada um escolher o seu morto. Isto é a barbárie.”
O aproveitamento político do anti-semitismo está a assumir formas do mais puro descaramento, como é também o caso do primeiro-ministro britânico Sunak, que encontrou no tema a derradeira tábua de salvação para uma por mim desejada derrota eleitoral que castigue os conservadores pela mais pura estupidez de uma política interna de destruição do que eram as imagens mais positivas do serviço público inglês. Vale tudo nesse afã e enquanto as mortes dos israelitas inocentes são o valor central a dos palestinos um simples dano colateral.
Aliás, o simultaneamente irrascível, insuspeito de radicalismo político e lúcido homem de direita que Xosé Luís Barreiro Rivas é já nos havia alertado na VOZ DE GALICIA para esse erro moral de grandes proporções:
“Em Israel de hoje é possível, se quisermos, distinguir entre o terrorismo do Hamas e o militarismo de Estado judeu; e também as formas e ferramentas que utilizam para massacrar o poderoso exército israelita e as brutais milícias do Hamas. Mas isso não nos dá o direito de distinguir entre a dor das vítimas de um e outro lado, nem as injustiças que as populações civis sofrem, nem o facto de que a hecatombe se abata sobre cidadãos de primeira ou terceira. Os sacrifícios que a comunidade israelita pagou e os que a comunidade palestina está a pagar são da mesma natureza, independentemente do facto de que uns sejam mortos com bombas e facas e outros com aviões e mísseis de última geração. O horror da guerra, medido em termos de humanidade e dor, é similar e a única diferença real é que uns vão perder a partida e sofrerão perdas quantitativamente incomparáveis e irreversíveis e os outros irão ganhar e, pelo menos na qualidade do Estado, irão repor a sua situação em pouco tempo e poderão regressar às suas vidas”.
Sagrada e justificada clareza.
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