Há uma mudança não particularmente silenciosa, mas mal percebida nas suas superficiais e profundas causas e efeitos, a ocorrer quase generalizadamente nas nossas cidades. No caso que melhor conheço, o do Porto, falo do autêntico batalhão de cidadãos de origem brasileira que a habitam, sobretudo na sua zona oriental. Um fenómeno com aspetos necessariamente positivos e negativos, como quase todos, mas que está a alterar à vista desarmada a paisagem urbana, as atividades económicas e comerciais, as vivências e os modos de vida. Nos meus higiénicos passeios diários, frequentemente realizados em redor da zona do Marquês de Pombal, observo com nitidez quão quotidianamente vai sendo transfigurada aquela que era a tradicional inércia local, do movimento nas ruas (famílias essencialmente jovens com muitas crianças e grupos de amigos e estudantes de várias idades ou simples namorados) à visível modificação da cor da pele dominante e das atitudes comportamentais assentes em partilhas de grande naturalidade e leveza por parte da maioria dos transeuntes, da incomparavelmente maior e mais ativa (entre descanso e exercício, caminhada e corrida, jogos e outros lazeres, festas e piqueniques) ocupação dos jardins e parques (Covelo, em especial) à autêntica irrupção de iniciativas económicas geradoras de autoemprego (cabeleireiras e cuidadoras de estética e unhas, mas cada vez mais uma improvável e imensa oferta de barbearias com toques decorativos mais ou menos diferenciadores, mercadinhos de saudade e pequenos botecos de comes e bebes, lojas de serviços informáticos, lavandarias, além de um crescente número de empregados de café e restauração, motoristas da Uber e encarregados de entregas ao domicilio), da exponencial multiplicação de esplanadas e locais de convívio onde quer que surja um espaço em que possam caber à proliferação de igrejas evangélicas de todas as formas e feitios a nível de crenças e posturas (sendo este claramente o ponto mais polémico, aquele em que a coisa tende a fiar mais fino ou, pelo menos, a merecer olhares precaucionários por quem de direito).
Não estou em condições de avaliar se a afirmação de que “o Brasil descobriu Portugal” e de que “daqui a pouco [a quantidade de brasileiros] será em maior número do que a população portuguesa”, tal como Lula a produziu à sua boa e ironicamente irresponsável maneira, tende ou não para uma confirmação a longo prazo; os dados apesar de bastante avassaladores e de corresponderem apenas aos registos legais, não parecem apontar nesse sentido, apesar de tudo (os brasileiros residentes em Portugal são já cerca de 240 mil pessoas, evidenciam uma dinâmica de crescimento especialmente saliente desde 2018 ― quando eram 104 mil os registados, o que corresponde a mais de 135 mil registos em quatro anos ―, representam cerca de um terço do total de estrangeiros residentes e possuem um peso de 2,3% no total da população residente em território nacional). Mas há uma certeza já adquirida e essa é a de que Portugal e o Porto de meados do século XXI serão bem diferentes daqueles que conhecemos no seu começo ― o que conduz à esperança de que todo este marcante processo de aculturação e inevitável miscigenação (também com expressão significativa em cidadãos nacionais de PALOPs) tenha uma tradução cabal ao nível de uma canalização aproveitadora do otimismo e da energia, quiçá também das competências, de toda esta gente que vive entre nós e fala português (mesmo que mais adocicado) ao serviço de saltos qualitativos essenciais para a economia e a sociedade portuguesas.
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