No mês passado, o meu amigo António Figueiredo (AF) aproveitou o lançamento do livro de Cavaco Silva (que Miguel Sousa Tavares assim tão bem sumariou em título da sua crónica no “Expresso”: “Afinal o que diz Cavaco? Nada”) para aqui dar uns curiosos toques que designou de clarificação ideológica (falando-nos, designadamente, de um desejável debate sobre consistência das nuances de diferenciação entre o socialismo democrático e a social-democracia, de que a empatia importa e de que “aquele não é o meu mundo” ao imaginar o ambiente de sala em que decorreu a apresentação do livro de Cavaco Silva). Pois o meu ponto de hoje passa também por algo do género, embora conferindo necessariamente uma tónica muito própria e pessoal àqueles três tópicos que, mesmo sabendo e reconhecendo que “a tradição já não é o que era”, traz à tona os incontornáveis resquícios da nossa história de vida e formação (pode alguém ser quem não é?).
Primeiro: num mundo em que as ideologias vão sendo consideradas matéria de um passado cada vez mais longínquo e, portanto, merecedora de uma crescente diabolização, com os partidos a brotarem como cogumelos em torno das mais desencontradas “causas” (os animais e a natureza, os verdes comunistas, os liberais dogmaticamente desgarrados e a junção de maoistas e trotskistas são apenas expressões parciais de uma originalidade muito lusitana), e em que os práticos e resultadistas cada vez mais prevalecem, considero-me um resistente ao não conseguir deixar de refletir em termos de matrizes inseparáveis de alguma dimensão doutrinária e por acréscimo estratégica. Convivo, pois, mal com aquilo a que o meu parceiro de blogue chama “jogo de sombras em que os protagonistas [referenciados ao socialismo e à social-democracia] estão empenhados”, como quando Costa exibe o seu lado mutante e chocantemente pragmático (da habitação à TAP, para não falar de um sem número de espécimes sem mundo nem ideias que o acompanham e veneram religiosamente ou em nome de coisas próximas ou objetivamente aparentadas) ou quando Montenegro tanto se esforça por fazer acreditar que tem condições para ou acaba finalmente por declarar que nada quererá fazer com o Chega porque não precisa (e, se os santos lhe sorrissem, iria precisar e julgo que procederia em conformidade).
Segundo: sendo inquestionável que a empatia importa, e que foi também por isso que Costa emergiu, vingou e se impôs (sequencialmente, contra Seguro, contra Passos e contra Cavaco), não escondo que foi a aparente afabilidade, normalidade e determinação do atual primeiro-ministro que me foi conduzindo a apoiá-lo sem grandes hesitações na luta pela liderança do PS, na luta contra a austeridade troikista e na luta pela afirmação de uma alternativa (a chamada “geringonça”) capaz de fazer o País respirar de novo após tempos muito difíceis e de esperança em queda livre. Mas o que é demais é moléstia quando a evolução dos acontecimentos (e já lá vão quase oito anos de governação!) nos mostra que o rumo é navegar à vista, que as verdades de hoje podem não o ser amanhã e que a arrogância do poder atinge impensáveis cúmulos (“não se pode dialogar sob a ameaça de não ter razão” e “o que não aplauda não sai na fotografia”) sem que alguma manifestação de vergonha ou humildade os venham minimamente compensar. Ou seja, talvez sintetizar com o sublinhado de que a empatia não é uma caraterística dotada de perenidade absoluta, antes carece de ser alimentada temporalmente por elementos de aprofundamento em que relevam a sinceridade das convicções, um voluntarismo sadio e a inegociável competência do foco.
Terceiro: quanto ao que é ou não “o meu mundo”, confesso que me forcei a tremer à medida que assimilava o fim das ideologias e a crescente relevância das empatias, embora considere nunca ter transigido em relação ao que me ressalta como essencial. Hoje, num balanço sempre provisório de algumas dessas passagens laterais, acho que continuo sabedor de onde quero e devo estar e capaz de distinguir entre inteligência aproveitadora e oportunismo primário, sendo ainda certa uma crescente constatação de que empáticos, sinceros e capazes existem ou não (em combinações múltiplas e até complexas) nos mais variados espetros de opções político-partidárias ou pseudoindependentes. O que me conduz à conclusão de que o que verdadeiramente me importa e basta provem também, e volto ao AF, da minha inalienável individualidade, i.e., de conceder prioridade a uma compreensão tão plena de mim próprio que me permita uma partilha consciente e equilibrada de valores, ideias e práticas com a imensa maioria dos outros.
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