segunda-feira, 16 de outubro de 2023

HOJE NA CASA COMUM DA UNIVERSIDADE DO PORTO

 


(Já aqui o tinha anunciado, mas volto ao assunto porque o rigor de investigação do Amigo Professor José Madureira Pinto o justifica e porque a qualidade e interesse da obra que me cabe apresentar, em colaboração com o Professor Virgílio Borges Pereira da Faculdade de Letras da UP, merece essa nova difusão. Trata-se de apresentar a obra publicada pela sempre resistente Edições Afrontamento, John Kenneth Galbraith e o Campo da Economia Norte-Americana – esboço de análise sociológica, 449 páginas, excluindo bibliografia, vastíssima, de leitura nem sempre fácil mas fascinante por algumas razões que anteciparei neste post. Lida a obra com toda a atenção possível nesta minha vida atribulada de tempo escasso para muitas coisas, estou convencido que ela mereceria uma publicação em inglês para a dotar dos meios de disseminação que justificaria. Se não for possível essa edição em inglês, pelo menos que o mercado das universidades brasileiras seja uma hipótese adicional, para que a sua originalidade não seja do conhecimento de um público restrito.)

 

A leitura desta obra do José Madureira Pinto foi também uma leitura afetiva. Primeiro, dada a Amizade de longa data que me liga a um colega, parceiro ilustre das minhas andanças universitárias. Não nos temos encontrado nos últimos tempos muitas vezes, mas a Amizade persiste e duradoura. Mas uma leitura afetiva também porque o personagem John Kenneth Galbraith e a sua obra se cruzam com a minha própria formação, relembrando memórias sempre agradáveis. Aliás, a leitura da obra do José Madureira Pinto traz-me imensas personagens convocadas por essa memória afetiva. De facto, quando na velha Faculdade de Economia do Porto, acocorada no sótão do edifício da hoje Reitoria da UP e também Casa Comum, alguns membros da minha geração de alunos de 1967-1972, manifestamente pouco interessados na natureza generalista do curso de Economia que tanto entusiasmava personalidades da Região e, pelo contrário, claramente apostados em fortalecer o nosso conhecimento sobre a ciência económica, buscando desesperadamente novas fontes para esse fortalecimento que o Curso não nos oferecia, alguns ecos dispersos quer do American Capitalism (1952) e The Affluent Society (1958), este com tradução portuguesa apenas de 1963, que pontuavam nessa busca. Mais tarde, alguns de nós que ficaram mais ligados ao ensino da economia e que tinham mergulhado ativamente no debate crítico do mainstream económico encontraram no The New Industrial State (1967, mas a que acedi apenas na edição de 1974), uma referência essencial. Se nos projetarmos no tempo de hoje, temas como o dos algoritmos insinuantes e indutores do nosso consumo, os efeitos da concentração e conglomeração empresariais na desigualdade e no monopsónio de procura de trabalho, as consequências nefastas da queda brutal dos níveis de sindicalização das economias e até as questões de controlo de preços suscitadas pelo mais recente surto inflacionário terão uma leitura mais avisada se incorporarmos o nosso conhecimento da obra de Galbraith, o eterno rebelde e dissidente.

Regressando à obra do JMP, a aplicação rigorosa da abordagem proposta por Pierre Bourdieu, o seu Mestre, ao campo científico da economia transforma-a num contributo inestimável para a história contextualizada do pensamento económico e para o estudo profundo das condições de afirmação das diferentes Escolas de pensamento ou paradigmas, seja na formação dos economistas, seja para a sua influência nos processos de decisão da política económica. Saúdo com prazer a convocação que JMP faz de dois autores, Marion Fourcade e David Collander, que também convoquei para tentar compreender a queda abrupta de validação social dos economistas no período imediatamente após a Grande Recessão de 2007-2008. Em meu entender, como se diz em linguagem popular, “puseram-se a jeito”. Para aplicar com rigor a proposta de abordagem de Bourdieu do campo científico, JMP mergulha profundamente nas razões que levam alguns paradigmas a reproduzir a sua influência e controlo da academia mesmo quando abordagens alternativas propõem olhares bem mais realistas e aplicados aos problemas de um dado período económico. E a personagem de Galbraith aplica-se como uma luva ao estudo desse campo.

Assim, na obra do JMP emergem partes decisivas para compreender essa tensão latente entre paradigmas: (i) a influência disfarçada do institucionalismo, (ii) a lenta e contraditória validação social e política do keynesianismo, (iii) as razões para a injustiça da chamada Escola sueca de Myrdal e outros não ter tido o reconhecimento do keynesianismo, (iv) a própria relevância que assumiu a economia agrária na formação do pensamento de Galbraith e a explicação da ascensão da economia matemática como fator de reconhecimento e validação entre pares e entre estes e a sociedade. Simultaneamente, a obra explica como esse domínio das condições de reprodução do conhecimento remeteu para as margens da irrelevância e da não notoriedade os que se atreveram a questionar essa validação.

O material reunido por JMP sobre as reações que as principais obras de Galbraith suscitaram junto de proeminentes membros do establishment académico americano são verdadeiras preciosidades para uma construção diferente da história do pensamento económico, não apenas no campo da economia norte-americana. A controvérsia entre Robert Solow e Galbraith a propósito do New Industrial State é um verdadeiro compêndio do debate económico, a um nível que nos permite compreender as condições reais de poder e influência em que as ideias e os paradigmas se reproduzem e/ou remetem para a obscuridade mais completa os desafiadores desse poder. Considero-me um lecionador exemplar do célebre modelo de crescimento de Solow e isso comprova a ideia de que os que estão na margem devem dominar plena e o mais competentemente possível os modelos e paradigmas que pretendem criticar. A luta é desigual, pois o mainstream pode dar-se ao luxo de, arrogantemente, nem sequer conhecer os que os challengers propõem, basta-lhes um argumento de autoridade e nessa argumentação a economia matemática é poderosa nos seus efeitos. Curiosamente, alguns anos mais tarde, após a Grande Recessão de 2007-2008 e as perturbações que ela provocou na macroeconomia, Solow esteve do lado em que estaria Galbraith se fosse na altura vivo, debatendo com aqueles que julgaram ter dominado o ciclo económico através da política monetária e opondo-se firmemente ao irrealismo dos seus pressupostos, designadamente de consumidor com um horizonte infinito de decisões com informação perfeita.

A minha intervenção de logo às 18 horas na Casa Comum andará por estes tópicos, certamente alargados em função do clima convivial e coloquial que a obra do JMP convoca e que a dissidência estruturada de Galbraith recomenda.

Até logo aos que possam deslocar-se à Casa Comum da UP.

 

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