Estou a acabar de ler um livro fascinante e de título iniludível (“End Times ― Elites, Counter-Elites and the Path of Political Disintegration”) de um autor “iconoclasta” e largamente “fora da caixa” (Peter Turchin, Professor Emérito da Universidade de Connecticut, Investigador Associado da Universidade de Oxford e dinamizador em Viena do “Complexity Science Hub”) com quem já tinha anteriormente tomado contacto através de uma sua outra obra relevante (“Ages of Discord”). Na apresentação, um vencedor do Prémio Nobel de Economia (Angus Deaton) refere que “toda a gente precisa de prestar atenção à análise bem informada, convincente e aterradora deste livro”. Não me alongarei, pelo menos por ora, sobre o racional da investigação de Turchin no último quarto de século, após uma carreira iniciada na ecologia e com subsequente enfoque nos ciclos das populações animais através de um recurso ao campo da ciência da complexidade; tratou-se, como o próprio explica, de uma evolução no sentido da aplicação da mesma abordagem ao estudo das sociedades humanas, passadas e presentes, o que o levou à construção de uma nova área de estudo a que chama “cliodinâmica” (misturando a mitológica musa grega da História com a teoria da mudança) e que associa a uma “nova ciência da História” e à força operativa de duas forças gémeas de instabilidade (os efeitos corrosivos de uma sobreprodução de elites e de uma miserabilização popular). Mas isso é outra conversa, que deixarei para um outro e mais apropriado momento.
Porque o que hoje aqui me interessa relevar é quanto os acontecimentos em curso nos EUA ― não indo aos antecedentes, foco-me nas sondagens que favorecem Trump e no recentíssimo afastamento, pela primeira vez na história norte-americana, do presidente da câmara baixa do Congresso (o speaker Kevin McCarthy, acima à direita) por representantes do seu próprio partido (liderados pelo congressista da Florida, Matt Gaetz, acima à esquerda), num processo de rebelião e inequívoca e brutal radicalização que foi associado ao pretexto de um acordo a que aquele chegara com a bancada democrata para evitar o encerramento de algumas agências federais mas que decorre da filigránica estratégia trumpista para regressar ao poder e do entendimento que lhe subjaz em relação ao devir do mundo em geral e à guerra na Ucrânia em particular ― me levaram de jato para dentro do trabalho de Turchin e das suas teses e comprovações analíticas; cito, muito ilustrativamente: “o ‘momento Nero’, uma súbita implosão de um estado (...), existe desde que os primeiros estados surgiram há cinco mil anos, e é certo que acontecerá outra vez; seria um erro assumir que as democracias maduras da América do Norte e da Europa Ocidental a tal estão inteiramente imunes.”
O cenário é terrífico e, lendo o livro que acima recomendo, ele torna-se pior ainda pelo que permite antecipar quase inapelavelmente. Quis partilhar a minha incomodidade com quem nos lê, também porque sempre simpatizei intelectualmente com os meandros da ideia marxista de alienação, aqui grosseiramente transponíveis para o mix de irresponsabilidade e inconsciência que persiste como dominante na formatação da cabeça da maioria das lideranças e das elites democráticas. E quando assim é, as queixas fora de tempo de pouco irão servir...
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