segunda-feira, 9 de outubro de 2023

PEDRO NUNO EM ARRISCADO EXERCÍCIO NO TRAPÉZIO

Anunciado como se de algo de decisivo para o futuro do País se tratasse ― talvez ainda um dia venha a conseguir perceber a coerência das opções editoriais de alguns órgãos de comunicação social (e, publicidade à parte, Balsemão tem um nome a não delapidar), mas essa é toda uma outra questão ―, o chamado “regresso” de Pedro Nuno Santos (PNS) aconteceu esta noite na nova “SIC Notícias”. Comento o que vi a quente e em quatro curtos tópicos: (i) PNS apareceu sem qualquer vestígio do “animal feroz”, manso e humilde, quase de rabo entre as pernas; (ii) declarou-se político e socialista para valorização da sua pessoa e do seu percurso curricular e desvalorização dos seus “momentos menos bons” e, sobretudo, para deixar dito que não iria fazer oposição ao governo (embora também não esteja disposto a ser encarado como porta-voz); (iii) arrancou a colocar-se ao lado do governo e de António Costa (que sublinhou ter um mandato para exercer até 2026) de um modo suficientemente serviçal (Costa deve ter-se rido à gargalhada com o tom misto de vencido e delicodoce do transmutado enfant terrible) para depois deles se ter procurado distanciar, ao jeito de contradições secundárias, em tópicos específicos e previamente estudados; (iv) neste quadro, tentou deixar no ar a sua marca de esquerda (defendendo um recurso aos lucros extraordinários da banca, um cuidado a ter com a baixa de impostos, a manutenção do controlo maioritariamente público na TAP e uma expectativa de que a “geringonça” não tenha sido um parêntesis na política portuguesa), umas vezes com alguma perspicácia e outras com razoável grau de ligeireza ou ortodoxia ideológica. No cômputo geral, PNS está conscientemente a contas com a verdadeira quadratura do círculo de meter o Rossio na Betesga: comportar-se, por um lado, de modo a agradar qb a Costa, indo eventualmente ao ponto de lhe fazer uns fretes para lhe controlar os ímpetos de agressividade; manter em simultâneo, por outro lado, a sua auréola de melhor e mais diferenciado sucessor no partido e no governo (i.e., alguém capaz de sustentar um discurso com suficiente grau de afirmação alternativa à esquerda sem perder, em contrapartida, a adesão da maioria da base moderada de apoio do PS). A sua autoconfiança e o seu carisma garantem-lhe a certeza de que vencerá tão hercúleo desafio, e aqueles são aspetos nada negligenciáveis; não obstante, e pessoalmente, ainda não fiquei disso convencido.

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