domingo, 1 de outubro de 2023

MAIS RENOVÁVEIS OU SUBSTITUIR?

 

                                                (Ibrahim Rayintakath para o New York Times)

(Já não é a primeira vez que aqui alerto para a importância de seguir os rumos da transição energética na economia americana. Não é apenas uma questão de dimensão que nos interpela. É também o facto da economia americana ser o palco decisivo do comportamento dos lóbis fósseis, dada a tradicional intensidade de utilização de energias fósseis naquele país e a presença de grandes companhias multinacionais nesse domínio. Não menos importante é o facto do Inflation Reduction Act ser, apesar da enganosa designação, um dos mais importantes programas públicos de apoio à transição para uma economia verde e ao investimento nas renováveis. Assim sendo, o acompanhamento rigoroso do modo como evolui nesse contexto a alocação de recursos no campo da energia é, em meu entender, decisivo para compreender o verdadeiro alcance da revolução verde e, por essa via, a avaliação do pulso à abordagem anti-mudança climática, não nas palavras, mas nas ações. Observadores atentos dessa transição nos EUA têm insistido para que, embora reconhecendo a enorme importância do impulso proporcionado pelo Inflation Reduction Act, não chega reconhecer o avanço das renováveis e a magnitude do investimento público e privado. É necessário avaliar se têm sido registadas alterações na substituição de recursos e de processos produtivos.)

O jornalista David Wallace-Wells assina na edição internacional da passada sexta-feira do New York Times um artigo corajoso que nos traz informação demolidora sobre a real dimensão da atual e esperada alocação de recursos em matéria de energia.

Segundo afirmações do responsável pela Agência Internacional de Energia, a procura de combustíveis fósseis atingirá na presente década um pico, concluindo-se que os EUA serão responsáveis até 2050 por um terço de toda a expansão programada para a produção de combustíveis fósseis. Os EUA parecem, assim, fazer jus ao estatuto de maior produtor e consumidor de combustíveis fósseis no mundo, sendo também o segundo maior exportador nesse domínio a nível inter-regional. O crescimento, por exemplo, da exportação de gás natural liquefeito espelha bem essa tendência.

Os dados registados estão, aliás, em perfeita conformidade com a alteração da posição americana em relação ao acordo de Paris, após 2015, iniciada por Trump e não claramente alterada pela administração Biden, apesar do significativo esforço de investimento nas energias verdes do Inflation Reduction Act.

A crueza da realidade mostra, assim, que a revolução verde não é suscetível de ser concretizada apenas pela entrada em cena das energias renováveis e pela significativa redução de preço na sua exploração e distribuição. Uma interpretação bondosa do processo de transição assumirá que a simples descida de preço das renováveis tenderá a repercutir-se em processos de substituição que reduzam progressivamente a importância das energias fósseis.

Daí a relevância de tratados que visem reduzir efetiva e praticamente a produção e consumo de energias fósseis (tais como o Fossil Fuel Non-Proliferation Treaty), ao qual se associou o Estado da Califórnia como o único exemplo americano de adesão. Por outro lado, ao nível da justiça e da ação dos tribunais ainda não se registaram vitórias significativas na condenação das empresas de combustíveis fósseis.

Até lá e sem progressos na referida substituição, bem pode o Secretário-Geral das Nações Unidas afirmar que “a crise climática provocada pelas atividades humanas "abriu as portas do inferno".

 

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