Perfeitamente incontornável uma saudação ao Nobel da Paz deste ano, na pessoa de Narges Mohammandi; esta iraniana, combatente de longa data pelos direitos humanos e das mulheres e atualmente presa em Teerão, é mais uma daquelas excecionais cidadãs do mundo que são merecedoras de um respeito venerador pela sua opção de vida e pelo exemplo de luta e dignidade que transmitem, sempre na esperança de que o mal venha a acabar vencido. No caso em apreço, os repressores governam autoritariamente o Irão sob a forma constitucional de uma república teocrática islâmica fundada em 1979 pelo Ayatollah Khomeini e tendo hoje por líder supremo Ali Khamenei e por presidente Ebrahim Raisi. Há muitos especialistas que, em função de dados de vária ordem sobretudo associados a um crescente mal-estar interno (sempre as causas internas!), começam a vaticinar uma aproximação do princípio do fim do regime em causa ― hopefully!
Por contraponto à tímida mensagem de esperança, plena de pontos de interrogação, que nos vai chegando da relação de forças em evolução no Irão, o mundo assistiu ontem a um incidente gravíssimo por via de um violento ataque do Hamas a Israel. O terror, as mortes e os raptos terão indiscutivelmente uma resposta do lado israelita, já autodeclarado em guerra (como se ela lá não estivesse já a acontecer todos os dias!) e em desejável unidade nacional para que a retaliação possa ter uma expressão à altura. A escalada corresponderá seguramente à pior vingança de sempre por parte dos israelitas, com Netanyahu a ganhar força renovada para voltar ao comando dos acontecimentos no país e esmagar de passagem todas as lideranças palestinianas que de algum modo o afrontarem. Os tempos que aí vêm serão terríveis numa Faixa de Gaza tão pequena quanto populosa, talvez tornando limitados por defeito os episódios da magnífica série “Fauda” da Netflix. Ah, e não esqueçamos o petróleo e a inflação, certamente efeitos secundários indiretos da instabilidade que recrudesce na Região sem sinais de possível reversão.
Um outro caso relevante destas últimas semanas foi o fim trágico do diferendo que há mais de três décadas dividia sangrentamente a Arménia e o Azerbeijão a propósito de um enclave (Nagorno-Karabakh) localizado em pleno território azeri e governado por arménios. Para além de estarmos em face de mais um incidente de altíssima gravidade (e contendo contornos étnicos) a afetar o mártir povo arménio, obrigando ao abandono do território por parte de 120 mil refugiados, releva sublinhar que não foi o acaso que escolheu o momento em que aconteceu a estocada final de dissolução mas sim que ele foi largamente consequência da guerra da Ucrânia e das visíveis dificuldades económicas e políticas por que passa a Rússia, antes a maior patrocinadora da estratégia de defesa de Erevan. No que me toca, e após ter passado pelo Cáucaso não há muito tempo, sublinhe-se que com enorme agrado, testemunhando a chaga que ali estava exposta, fico com sincera pena de já não ir ter condições para um regresso ao local para observar de perto a estabilização e a reintegração que se anunciam mas não serão de todo coisa fácil.
Olhemos agora para outro tipo de drama atual. Focando-nos apenas no lado prosaico da vivência concreta das mudanças climáticas tal como elas se nos revelam por estes dias em que o calor estival invade sem pedir licença a época outonal em que já deveríamos estar mergulhados, assim suscitando nos mais jovens perplexidades e interrogações lógicas e irrespondíveis.
De outra natureza, bem mais contida nos seus efeitos mais profundos, é o caso que nos chega como estando a dominar a situação política espanhola, a saber, os preparativos para a investidura de Sánchez com questionáveis apoios nacionalistas e independentistas mas também, o que não pode ser considerado de somenos, com o aplauso enlevado de Yolanda Díaz e da sua plataforma de extrema-esquerda “Sumar”. Será mesmo que os espanhóis se preparam para uma “geringonça” bastante menos futrica do que a que por cá andou a funcionar?
Outro episódio relativamente irrelevante da semana foi o da observação do estado de autêntico pânico em que se encontra o aparentemente fleumático líder conservador britânico, Rishi Sunak. Após meses de alguma hesitação, o primeiro-ministro convenceu-se de vez que só teria alguma hipótese de contrariar o favoritismo trabalhista nas eleições do próximo ano se adotasse uma atitude durona e um programa verdadeiramente revisionista; e aí esteve ele a ensaiá-lo perante o congresso do seu partido. As reconsiderações são muitas e variadas mas sabe-se de fonte segura que as alterações climáticas já eram...
Entretanto o Rei dos ingleses tinha estado em França, onde fora recebido com a devida pompa e circunstância pelo seu alegado homónimo Emmanuel (cada vez mais perdido nas suas inacessíveis cogitações franco-francesas, franco-europeias ou franco-africanas, entre outras). Não fora a absoluta inutilidade das conversas e cerimónias que se foram desenrolando e a visita a Paris de Carlos e Camila teria certamente podido representar um marco de monta no sentido de um estreitamento das seculares relações franco-britânicas.
E por falar em França, país há algum tempo arredado das nossas reflexões e análises mais substantivas, dali veio esta semana a notícia de que o celebérrimo Petit Nicolas (atualmente em prisão domiciliária na provável companhia de Carla Bruni) era alvo de mais suspeitas de práticas de fraude e corrupção, acusações que o manterão suficientemente ocupado para que não tenha quaisquer veleidades de participar na vida pública. Trata-se de algo que verdadeiramente o parece aproximar do inimitável Trump, mas são todavia de pesar em contraponto as diferenças de estatuto criminoso e, ainda, a presença dos checks and balances que garantem ao populista americano boas e inacreditáveis hipóteses de se fazer nomear para disputar as eleições presidenciais e até para eventualmente as vencer.
E assim me foco em terminar este breve e algo caótico sobrevoo pelo mundo em que vivemos com uma nota adicional sobre esse estranho país (potência mundial estruturante da ordem internacional ainda em vigor e, por isso, também encarado como o maior dos “donos do mundo”) em que um partido de fortes tradições históricas e democráticas e profundamente implantado no seio da sociedade pode ser arrasado e destruído por dentro através da atuação organizada de um grupo exógeno de radicais fanáticos. Confesso a minha obsessão conjuntural por este tema, fruto da leitura concluída de Peter Turchin, mas o que realmente mais me repele e até enfurece é o facto de se ir comprovando que a voz mais determinada de comando é proveniente de um “eixo do mal” que opera a partir de longínquas terras moscovitas.
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