terça-feira, 17 de outubro de 2023

O ERRO DE CÁLCULO DE ISRAEL

 


(Não é habitual regressar tantas vezes a um dado tema da cena internacional. Não se trata também de uma incontida obsessão anti-semita. Trata-se simplesmente de formular juízos de análise e de valor num tema crucial para a compreensão dos desatinos do mundo de hoje, empilhando-se sobre o complexo de indeterminações e de justas revoltas que a brutalidade da invasão russa da Ucrânia já havia despertado. De facto, a brutal agressão que o Hamas perpetrou sobre Israel apresentava todas as configurações possíveis para gerar juízos de apreciação que condenariam o radicalismo do Hamas e apoiariam incondicionalmente Israel. Esse foi, em meu entender, o cálculo que Netanyahu e o seu governo radical de direita fizeram para enquadrar toda a brutalidade de uma retaliação, que visava erradicar de vez a influência do Hamas no território de Gaza, custe o que custasse em matéria de mortes de palestinos não comprometidos com o radicalismo do Hamas. Pacientemente, tenho estado atento a tudo que é pronunciamento de análise e opinião no sentido de avaliar se o cálculo do governo israelita foi apropriado ou se, pelo contrário, foi um cálculo errado. À medida que vou tomando contacto com as diferentes maneiras como o mundo no seu todo se foi pronunciando acerca do desencadear do conflito, parece-me cada vez mais evidente que Israel não conseguiu em termos efetivos fazer respeitar essa avaliação. Ninguém de boa vontade, a não ser fanáticos que não devem ser aqui considerados, deixou obviamente de condenar a agressão do Hamas e diria mesmo que a generalidade dessa gente de boa vontade não recusa a ideia de que a exterminação do Hamas corresponderia a uma forma positiva de criação de novas condições para as tréguas. Mas o que me parece ter falhado decisivamente é a ausência de cobertura para uma retaliação indiscriminada de Israel, quaisquer que fossem os custos de eliminação de vidas palestinas. É nessa perspetiva que considero que Israel teve um erro de cálculo. Isso não significa que não possa avançar com a sua desmedida ambição de retaliação indiscriminada. Mas se o fizer mudará radicalmente a perceção do mundo sobre a sua ação.)

 

Penso que o melhor indicador desse erro de cálculo consiste em estarmos atentos ao modo inteligente como a diplomacia americana, assente na qualidade do duo Biden-Blinken, o primeiro com a sua experiência de octagenário e conhecimento profundo do histórico da região e do conflito, o segundo dotado de uma notável inteligência e sobriedade diplomáticas, tem desenvolvido a suja extenuante atividade. A Administração americana considera uma eventual ocupação israelita da faixa de Gaza em enorme erro estratégico e tem-no dito com uma clareza notável. O mesmo se diga em relação a personalidades americanas apoiantes incondicionais da causa israelita, como por exemplo o jornalista do New York Times Thomas L. Friedman, o do Mundo é Plano, que partilham esse argumento. E não é em vão que a diplomacia americana se tem esfalfado em contactar outros países na região de maneira a conter uma possível escalada do problema. Em claríssimo contraste com a sabedoria americana, os problemas de sucessão de Ursula von der Leyen, em que a própria está envolvida, procurando curto-circuitar o representante francês associado ao grupo liberal de Macron conduziram a União Europeia a uma precipitada tomada de posição que o Conselho Europeu procurou imediatamente atalhar, sustendo a leveza com que a presidente da Comissão abordou o problema.

E, como toda a gente relevante na Região o sente, só os EUA poderão condicionar de modo efetivo a ambição israelita, o que não é novidade, mas antes uma regularidade histórica, só hoje mais evidente porque a Europa não tem hoje lideranças capazes de se fazer ouvir e respeitar. As escaramuças entre Ursula e Michel são para desgraça nossa a cruel evidência da irrelevância europeia.

 

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