Ontem à noite, na Lello, o Francisco Seixas da Costa apresentou no Porto o seu recente livro “Antes que me esqueça” (belo título!), um “tijolo” com quase 700 páginas. O apresentador, que depois se tornou mais propriamente animador, foi Augusto Santos Silva (ASS) e a conversa entre os dois fluiu de modo agradável e cheia de motivos de interesse. O Francisco explicou que não estamos perante as suas memórias, apenas se tratando de uma seleção de escritos ligeiros de múltiplas naturezas que diariamente inscreve, desde fevereiro de 2009, no seu blogue “Duas ou Três Coisas”. O que ASS aproveitou para lhe deixar o desafio de vir a elaborar um manual da diplomacia portuguesa, ele que foi um reputado e experiente embaixador (desempenhando funções, como recordou, nos dois países detentores das maiores comunidades portuguesas, Brasil e França) e que andou pela política externa durante quase quatro décadas.
Falou-se da diplomacia como “arte de conduzir o inevitável” (citando a definição adotada, a partir de autor incerto, por Jaime Gama, autor do prefácio), das metamorfoses no tempo da função (hoje “uma espécie de legitimação”), da liturgia dos “sinais exteriores da carreira” (citando Medeiros Ferreira), da “Casa” (o MNE, as Necessidades) e seu enorme sentido de serviço público (sem prejuízo de algumas manias, como o “fascínio pela diplomacia russa”, “snobeiras”, como as suas referências aos outros ministérios como “setoriais”, ou resistências, como em relação a Aristides Sousa Mendes), da constância da política externa portuguesa, dos 21 ministros que Francisco conheceu e “serviu” (todos alinhados com os interesses nacionais, apesar de momentos de exceção como a Cimeira das Lages), dos bastidores da candidatura de Guterres à ONU e de algumas coisas mais. Com o Francisco a sublinhar que optou por tentar evitar o cinismo e a ironia (nem sempre o tendo conseguido) e por “não poluir” a obra com alguns detalhes que correram mal numa vida profissional que considera ter sido plena de realização e quase, adaptando a canção de Amália, “uma estranha forma de boa vida”.
Regressado a casa, percorri aquelas páginas de modo avulso e lá me encontrei nelas, num momento que partilhei com o Francisco em Singapura nos finais de 1996. Reza assim, a pretexto de uma entrada referente a Sir Leon Brittan, então vice-presidente da Comissão Europeia (presidida por Jacques Santer): “Uma outra vez [recordações pouco agradáveis] foi em Singapura, durante a reunião de lançamento da OMC, em 1996. Pedimos-lhe um encontro, eu e o Fernando Freire de Sousa, secretário de Estado do Ministério da Economia, à margem da reunião preparatória da UE. Foi difícil mobilizar Brittan para a ocasião. Transmitimos-lhe a nossa reação negativa face a um inesperado ajuste à lista de ‘oferta’, que excedia o mandato que antes tínhamos acordado em Bruxelas. Eram mais concessões, sempre à nossa custa. Leu o ‘non-paper’ que lhe entregámos, olhou para as posições pautais nele inseridas e exclamou: ‘Oh! Your textiles, again!’ (Ah! Os vossos têxteis, de novo). Ouviu então uma ou duas coisas de que não gostou. Transmitimos à presidência da União de então a nossa posição e o mandato acabou por evoluir um pouco a nosso favor. Mas não por cedência de Brittan, suponho.” Esta presença pessoal naquelas páginas, necessariamente modestíssima, não deixa de ser para mim gratificante, até pela memória do que foi a realidade daquela semana de trabalho e convívio; isto dito, volto ao conteúdo de um livro altamente recomendável pelo tanto que contém de boa escrita, de episódios engraçados, de indicações com traça histórica e de manifestações visíveis de uma inquestionável espessura pessoal.
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