sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O MISTÉRIO DAS DUAS CLARAS

 


(O confronto entre a Clara Ferreira Alves do Eixo do Mal, sobretudo quando o tema de discussão é a política interna e a outra Clara, a da Pluma Caprichosa na revista do Expresso, faz-nos suspeitar que não estamos perante a mesma Mulher inteligente e com mundo que apreciamos. Quando o tema é a política interna, e já dou de barato a profunda animosidade com António Costa, o elitismo sobranceiro sobrepõe-se, a sucessão de ideias feitas alicerçada numa cultura muito da capital emerge e faz antever uma Mulher inteligente mas de mal com a sociedade em que se integra. Quando, pelo contrário, o tema é o da mundividência da política internacional perspetivada através da sua escrita rigorosa tudo muda. A densidade do que escreve impressiona e cativa. Por isso, associo esse confronto ao mistério das duas Claras. Já há algum tempo que deixei de ter pachorra para sínteses do melhor e do pior dos anos pelos quais vamos passando. Cada vez menos estou propenso a sínteses do passado e a antecipações do futuro. Nesta altura da vida e da lenta mas efetiva degradação das capacidades físicas, tenho aprendido a conviver apenas com a espuma de cada dia. A indeterminação e a incerteza assim o justificam. Mas sou sensível ao espírito de síntese dos que escrevem por profissão e neste caso a Clara da Pluma Caprichosa não se cansa de nos proporcionar sínteses memoráveis do tempo que nos envolve.)

A sua crónica publicada hoje na revista do Expresso é um monumento de inteligência crítica: “A chama eterna do petróleo – as previsões para 2024 estão enegrecidas pelo fumo de 2023”.

Limito-me a capturar um excerto dessa crónica e perceberão rapidamente a minha avaliação:

“(…) A tecnologia está a destruir séculos de civilização ocidental, tanto os suportes materiais dessa civilização como os imateriais, e está a destruir as cabeças e os corações, preenchendo o vácuo existencial de jovens e adultos, enquanto os inventores de algoritmos nadam em dólares e instauram uma filantropia privada, substituindo-se aos depauperados estados onde os políticos não conseguem um vestígio de duração, autoridade e prémio. A fugacidade e a frivolidade tecnológicas, a diminuição drástica do arco da atenção, a intoxicação do instante geraram uma civilização sem profundidade, baixinha como uma ria onde só nadam peixes de pequeno porte. E mesmo assim, o que parece preocupar as democracias não é o seu declínio, mas esse facto da vida que é a existência de regimes não democráticos. E nem todos ameaçam as democracias. Não foram a China e a Rússia que elegeram Trump. Não seriam suficientes. Donald Trump foi eleito pelos americanos, e se for eleito em novembro de 2024, será reeleito pelos americanos, com louvor e aclamação. As democracias morrem por dentro. Com ajuda externa não de regimes não democráticos, mas de idiossincrasias e falências das democracias. Do seu eficiente e volúvel funcionamento, reféns do imediatismo e do spinning, da ira e da impaciência dos povos.

Se 2023 foi um ano de crises e guerras, 2024 não será melhor. A emergência climática continuará e os meios de a combater continuarão a ser mais palavrosos do que nunca, enquanto as catástrofes naturais se abatem sobre geografias infelizes (…)”

 

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