(Abro uma exceção nas tréguas natalícias para deixar aqui bem vincada a minha profunda admiração por um gigante intelectual da macroeconomia, Robert Solow de seu nome, a quem se deve o estabelecimento das bases da teoria do crescimento económico. Muitos de nós, incluindo este vosso modesto Amigo, queimaram pestanas e investiram longo tempo na melhor maneira de ensinar o chamado modelo de Solow. Afinal, era a melhor maneira de homenagear a clareza incontornável daquele modelo, mesmo que academicamente muitos de nós tivessem estado do outro lado da barricada na controvérsia da teoria do capital, que colocou frente a frente a Escola de Cambridge inglesa, com Joan Robinson à cabeça, e a outra Cambridge, a de Massachussets do MIT. Solow faleceu aos 99 anos depois de uma vida de intelectual e académico totalmente preenchida e com uma capacidade notável de abertura de espírito crítico às limitações do seu modelo. Lembro-me da sua presença imponente numa das Conferências da Associação Portuguesa de Economistas na Gulbenkian e não posso deixar de registar a evolução do seu pensamento, à medida que Solow começou a compreender o rumo enviesado que a macroeconomia começava a trilhar. Quem se recorda da sua perspetiva crítica quanto às posições dos cambridgianos ingleses na controvérsia da teoria do capital terá dificuldade em compreender a acutilância das suas últimas posições, designadamente em relação às condições que os doutoramentos dos jovens economistas deveriam respeitar.)
Mais recentemente, Solow produziu este comentário de profunda sensatez:
“Estou feliz porque não exista por aí hoje um Milton Friedman. Os Milton Friedman’s são nocivos para a economia e para a sociedade. Debates sem resultados com gente quasi-talentosa são um desperdício para muita gente que poderia ter sido aplicado de modo mais construtivo. (…) Ninguém duvida que Reagan e Thatcher foram capazes de tirar partido das capacidades de Friedman como economista-ideólogo. Mas Reagan e Thatcher lideravam uma onda de direita de mais largo e profundo alcance. As suas raízes baseavam-se em forças sociais mais profundas do que simples ideias de mercado livre. (Ninguém duvida também que as suas próprias personalidades também contaram. Reagan e Thatcher talvez tivessem sido pessoas similares e com o mesmo êxito sem o apoio de Friedman. Mas essa combinação certamente contribuiu para promover Milton ao estatuto de estrela.”
No âmbito da teoria do crescimento, Solow, ao definir os limites do cálculo da produtividade total dos fatores como um resíduo de fatores explicativos que precisava de ser estudado em maior profundidade, abriu caminho a uma nova onda de factos estilizados do crescimento económico e a novos modelos como os Paul Romer e Chad Jones, que exploraram a economia das ideias e o ambiente de concorrência imperfeita em que a valorização económica das ideias iria decorrer. A modéstia e profundo interesse com que Solow acompanhou os desenvolvimentos da teoria do crescimento são um legado de humildade intelectual que todo o macroeconomista deveria professar e registar na sua carta de princípios.
É um gigante que nos deixa, felizmente depois de uma longa vida de 99 anos. À medida que estes gigantes se abatem, fica a perceção de que será cada vez mais difícil substitui-los.
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