Chega 2024 ― porque será que agora me dão náuseas de cada vez que utilizo a terceira pessoa do presente do indicativo do verbo chegar? ―, um ano novo que, como sempre, tende a ser convencionalmente considerado imprevisível mas que desta vez parece mais cheio de escolhos do que a dose normal. Não irei aqui elaborar em torno dos porquês de tal facto, os quais têm sido aliás objeto de inúmeras considerações no quadro deste espaço; mas não quero deixar de me referir de forma reiterada, e por ordem crescente de perigosidade, aos elementos que mais diretamente contribuem para esta minha sensação de incomodidade, sejam os que mais poderão afetar o nosso pequeno retângulo, os que mais poderão atingir o nosso privilegiado espaço externo de inserção ou os que mais poderão marcar os destinos do mundo em que vivemos.
Começo pelo fim, que é verdadeiramente o que está na traça de tudo quanto é essencial: 2024 será um ano, e cito o “El País”, um “de exame à ordem mundial” e que irá “pôr à prova as democracias”. Por tudo quanto vem de trás, com especial destaque para as brutais guerras em curso na Ucrânia e no Médio Oriente, e por tudo quanto se lhe apresenta na agenda, das eleições em Taiwan e na Índia (entre várias outras também relevantes) à muito particular candente disputa presidencial americana que acontecerá no Outono e se arrisca a tornar-se a votação mais importante de uma geração (cito Martin Wolf) se os checks and balances da democracia americana não funcionarem devidamente e/ou se nada de disruptivo surgir do lado de Biden e dos Democratas.
Em seguida, as eleições europeias e todo o subsequente processo de substituição dos principais poderes bruxelenses, com a extrema-direita conservadora, nacionalista e eurocética a ameaçar cada vez mais a possibilidade de uma presença significativa no seio das instituições comunitárias. Sem esquecer as tendências já presentes em vários países, nomeadamente entre a destrutiva Hungria de Órban, as situações na Itália de Meloni e nos Países Baixos de Wilders ou os importantes ganhos de afirmação de Marine Le Pen em França ou da AfD na Alemanha.
Por fim, e no que diz respeito à dinâmica luso-portuguesa, julgo que ninguém me contestará se aqui disser com alguma segurança que, abstraindo dos profissionais da política partidária e dos interesses em sua volta, nenhum português consciente estará especialmente motivado com o processo de votação a ocorrer em 10 de março, quer no tocante à sua própria convicção na escolha quer no tocante a temores sobre o que sairá em termos de uma provável instabilidade política no horizonte. A este propósito, o artigo de António Barreto no “Público” de ontem (“A festa acabou”) é notável e termina de um modo tão inteligente quanto escassamente consequente: “Nas próximas eleições, o momento é calhado, mais propício do que nunca, para votar de acordo com compromissos, em vez de repetirmos os gestos do sonâmbulo. Votar em compromissos é melhor do que votar em rebanho.”; ou seja, porque realmente não esclarece quais os compromissos que relevam nem se lhe bastarão compromissos firmes enquanto tal ou apenas aqueles que os seus fantasmas tendem a mais apreciar ou rejeitar...
Associando-me aos votos do meu parceiro de blogue em relação a todos quantos nos foram lendo, mais ou menos regularmente, ao longo destes doze anos, quero também endereçar-lhe a ele e aos seus o melhor para este 2024 e desejar que a paz e a prosperidade se alarguem crescentemente aos oito mil milhões de seres que compõem a Humanidade.
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