segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

CRUEL, MAS CHEIO DE RAZÃO?

 


(Xosé Luís Barreiro Rivas assina na sua crónica de hoje do VOZ DE GALICIA um parágrafo assassino, cruel quanto baste, mas dei comigo a pensar se o politólogo galego e conservador não tem infelizmente razão quanto à União Europeia que vai resultando dos sucessivos compromissos que vão emergindo do Conselho e das suas contradições. Reza assim esse parágrafo: “A UE só pode ser governada comprando com dinheiro a obediência dos seus sócios. E a corrupção que este passo implica já despertou o chantagismo dos mais débeis, que – veto vai, veto vem- podem contornar as regras fiscais, os casos de guerra judicial, as leis de amnistia, as ofensas ao Código Penal, a pirataria migratória e qualquer outro limite que se queira impor aos que considerando a EU como um Clube Social, manejam as suas decisões – de chantagem em chantagem—sem se precipitar no abismo”. A saída de Orbán da sala parece ter sido conquistada como se a Hungria tivesse de repente resolvido todas as derivas antidemocráticas e de ofensas ao Estado de Direito que tinham justificado a suspensão de pagamento de fundos europeus. Se pensarmos bem nesta troca infame, dá arrepios por todo o corpo pensar que o Estado de Direito possa ser moeda de troca.)

 

Já por mais de uma vez referi neste espaço que a decisão de iniciar negociações para o alargamento da EU à Ucrânia e Moldávia, abertura de processo com a Bósnia Herzegovina e a atribuição de estatuto de candidato à Geórgia está rodeada de uma indeterminação tal que não pode deixar de perturbar o pacato cidadão europeu, sobretudo aquele que ainda tem memória das grandes razões que conduziram ao projeto Europeu. Assim, no seio dessa grande bagunça, é possível ouvir Orbán afirmar sem peias que a maior parte das condições impostas à Ucrânia não foram satisfeitas, sem que das autoridades comunitárias tivesse saído qualquer comunicado a esclarecer tal situação. Percebe-se que, com a ameaça de uma tragédia eleitoral americana a pairar em 2024, a Europa corre o risco de ficar sozinha, de calças na mão, ou seja, sem uma política externa alinhada (o modo como o camarada Borrel está a envelhecer no seu posto até impressiona), sem política de defesa militar que se enxergue e ainda às voltas com a escolha do modo mais eficaz de ajudar o esforço de guerra na Ucrânia.

A hipótese do alargamento a leste (Ucrânia e Moldávia) faz assim parte de um largo e indefinido processo de empurrar para a frente os acontecimentos, transmitindo a Moscovo uma pretensa ideia de firmeza, comunicando ao autocrata russo que a EU não hesitará em acolher dentro dos seus próprios muros o problema e a agressão. Mas essa mensagem teria sentido se o autocrata desconhecesse a fragilidade institucional dos equilíbrios possíveis na União. Nesse aspeto, a União é transparente que baste, essa fragilidade é conhecida da Ibéria aos Urais e pior do que isso não temos hoje rostos e que se personalidades políticas que com a sua espessura, arrojo e convicção assumam nos seus ombros esse processo de construção, por mais indeterminado e cheio de encruzilhadas que se apresente. Para já temos de levar no lombo com um Michel irritante.

Em alternativa a essa impossibilidade histórica e irremediável a curto prazo, o que temos foi a utilização do respeito pelo Estado de Direito como moeda de troca e, tragédia das tragédias, com a perceção de que a chantagem de Orbán não ficará por aqui.

A situação é tão dramática que nem dá para pensar o que pode significar para a Ibéria um alargamento desta natureza, colocando de uma vez por todas o centro da gravidade política no centro e leste europeus.

Começo a pensar por má sorte e sina que talvez já não veja com vida algum ressurgimento europeu, algo ou alguém que aponte um caminho que possa dar sentido à aceleração do alargamento.

 

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