(Xosé Luís Barreiro Rivas assina na sua crónica de hoje do VOZ DE GALICIA um parágrafo assassino, cruel quanto baste, mas dei comigo a pensar se o politólogo galego e conservador não tem infelizmente razão quanto à União Europeia que vai resultando dos sucessivos compromissos que vão emergindo do Conselho e das suas contradições. Reza assim esse parágrafo: “A UE só pode ser governada comprando com dinheiro a obediência dos seus sócios. E a corrupção que este passo implica já despertou o chantagismo dos mais débeis, que – veto vai, veto vem- podem contornar as regras fiscais, os casos de guerra judicial, as leis de amnistia, as ofensas ao Código Penal, a pirataria migratória e qualquer outro limite que se queira impor aos que considerando a EU como um Clube Social, manejam as suas decisões – de chantagem em chantagem—sem se precipitar no abismo”. A saída de Orbán da sala parece ter sido conquistada como se a Hungria tivesse de repente resolvido todas as derivas antidemocráticas e de ofensas ao Estado de Direito que tinham justificado a suspensão de pagamento de fundos europeus. Se pensarmos bem nesta troca infame, dá arrepios por todo o corpo pensar que o Estado de Direito possa ser moeda de troca.)
Já por mais de uma vez referi neste espaço que a decisão de iniciar negociações para o alargamento da EU à Ucrânia e Moldávia, abertura de processo com a Bósnia Herzegovina e a atribuição de estatuto de candidato à Geórgia está rodeada de uma indeterminação tal que não pode deixar de perturbar o pacato cidadão europeu, sobretudo aquele que ainda tem memória das grandes razões que conduziram ao projeto Europeu. Assim, no seio dessa grande bagunça, é possível ouvir Orbán afirmar sem peias que a maior parte das condições impostas à Ucrânia não foram satisfeitas, sem que das autoridades comunitárias tivesse saído qualquer comunicado a esclarecer tal situação. Percebe-se que, com a ameaça de uma tragédia eleitoral americana a pairar em 2024, a Europa corre o risco de ficar sozinha, de calças na mão, ou seja, sem uma política externa alinhada (o modo como o camarada Borrel está a envelhecer no seu posto até impressiona), sem política de defesa militar que se enxergue e ainda às voltas com a escolha do modo mais eficaz de ajudar o esforço de guerra na Ucrânia.
A hipótese do alargamento a leste (Ucrânia e Moldávia) faz assim parte de um largo e indefinido processo de empurrar para a frente os acontecimentos, transmitindo a Moscovo uma pretensa ideia de firmeza, comunicando ao autocrata russo que a EU não hesitará em acolher dentro dos seus próprios muros o problema e a agressão. Mas essa mensagem teria sentido se o autocrata desconhecesse a fragilidade institucional dos equilíbrios possíveis na União. Nesse aspeto, a União é transparente que baste, essa fragilidade é conhecida da Ibéria aos Urais e pior do que isso não temos hoje rostos e que se personalidades políticas que com a sua espessura, arrojo e convicção assumam nos seus ombros esse processo de construção, por mais indeterminado e cheio de encruzilhadas que se apresente. Para já temos de levar no lombo com um Michel irritante.
Em alternativa a essa impossibilidade histórica e irremediável a curto prazo, o que temos foi a utilização do respeito pelo Estado de Direito como moeda de troca e, tragédia das tragédias, com a perceção de que a chantagem de Orbán não ficará por aqui.
A situação é tão dramática que nem dá para pensar o que pode significar para a Ibéria um alargamento desta natureza, colocando de uma vez por todas o centro da gravidade política no centro e leste europeus.
Começo a pensar por má sorte e sina que talvez já não veja com vida algum ressurgimento europeu, algo ou alguém que aponte um caminho que possa dar sentido à aceleração do alargamento.
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