terça-feira, 19 de dezembro de 2023

MAS AFINAL QUEM TINHA RAZÃO SOBRE A INFLAÇÃO?

 



(A tribo dos macroeconomistas agitou-se com o regresso da inflação. Essa agitação aconteceu no campo das ideias e, obviamente, cedo se transformou em recomendações e pensamento de influência sobre os bancos centrais. A divisão de águas que a matéria suscitou começou por se traduzir inicialmente na criação de dois grupos de opinião, um que foi designado pelos apoiantes da inflação como fenómeno de ocorrência transitória e outro que apontava para razões mais estruturais, cuja espessura daria origem a um longo período de combate à subida dos preços. Este debate rapidamente se transformou num outro que colocou num lado da barricada os que acreditavam que o controlo da inflação iria implicar um longo período recessivo e de desemprego e os que nunca deixaram de defender a possibilidade, sobretudo para a economia americana, de uma aterragem suave da economia (soft landing). Tendo sempre por referência a economia americana, a evidência trazida pelo ano de 2023 veio mostrar que, pelo menos com a informação disponível até ao momento, a desinflação aconteceu a um ritmo apreciável, desfazendo de vez a ideia de que a sua ocorrência exigiria anos prolongados de desemprego. Os debates desta natureza não servem apenas para agitar a tribo. O confronto com a evidência dá também para perceber o que é os macroeconomistas aprendem e como aprendem, acaso estejam dispostos e tenham a humildade necessária para o fazer. E nesta matéria há que convir que existem elementos da tribo que se recusam a aprender, tamanho é o dogmatismo das suas posições. )

 

Recordemos os termos do debate.

O grupo da inflação transitória sempre defendeu que foram as disrupções introduzidas pela pandemia e pela invasão russa da Ucrânia que causaram a disrupção dos preços. Enganaram-se, porém, na magnitude dessas disrupções e sobretudo no tempo da sua incidência. Daí que a ideia de transitoriedade da inflação possa ter falhado. O prolongamento do tempo da disrupção é algo de consequências muito vincadas na opinião pública, já que o assalto dos preços ao rendimento real é demasiado forte, tornando-se difícil aguentar o argumento da transitoriedade da subida dos preços. Mas o ano de 2023 trouxe à economia americana a recuperação quase completa das cadeias de valor e a recuperação do balanceamento entre vagas de emprego e trabalhadores desempregados.

A pergunta inevitável parece ser então esta: como explicar então que a controvérsia prossiga?

Os macroeconomistas mais pessimistas quanto à natureza não transitória da inflação passaram a explicar o “soft landing” na sequência da intervenção desenvolvida pelo Banco Central (FED USA). Assim, seria a assinalável subida das taxas de juro de referência impostas pelo Banco Central em 2022 que tenderia a explicar o “soft landing”. Mas o que parece perturbador é que esse mesmo pessimismo insistia então que seria necessário criar um desemprego elevado para que os mecanismos de transmissão da política monetária operassem. Nada disso aconteceu. A história parece estar mal contada. Mas porque raio de razão os mecanismos de transmissão da política monetária teriam operado desta vez sem exigir uma massa de desemprego tão elevada?

Parece justo admitir que a intervenção do FED no sentido de subir as taxas de juro de referência terá sido algo tardia e daí a necessidade de subidas rápidas e significativas. Uma questão paralela, agora que a inflação parece dar finalmente tréguas, prende-se com a perceção de alguns observadores da política monetária de que o ambiente estrutural que conduziu ao zero lower bound não ter sido substancialmente alterado com este interregno de dois anos de inflação rápida e elevada. Assim, continuará a observar-se um notório desequilíbrio entre a oferta de poupanças e a procura de fundos para o investimento real, prolongando o ambiente de estagnação secular que alimentou o longo período de taxas de juro nulas ou negativas.

Pelo que se vai lendo nos principais jornais económicos, o FED parece estar sob pressão para operar rapidamente descidas de taxas de juro de referência, sem que, entretanto, possam considerar-se estabilizadas as expectativas quanto ao compromisso de inflação a longo prazo. Continuaremos nos próximos tempos com a necessidade de ponderar dois riscos, o de uma eventual recessão e o de um eventual ressurgimento inflacionista. O ambiente de indeterminação inspira ainda cautelas e seria talvez prematuro iniciar desde já um padrão sustentado de descida de taxas de juro de referência.

Não será ainda desta que a tribo dos macroeconomistas entrará em modo de acalmia. Impõe-se pelo menos a necessidade de uma explicação mais consistente para o facto das subidas elevadas e rápidas das taxas de juro terem sido compatíveis com o soft landing da economia americana.

Resta referir que o mundo não se restringe à economia americana e à sua conhecida maior flexibilidade. As políticas do FED e do BCE não estão ainda alinhadas, sendo mais provável assistirmos da parte daquele a descidas de taxas de juro de referência e à manutenção de taxas por parte do BCE. Embora a inflação pareça também dar tréguas na União, a verdade é que as consequências do cenário internacional bélico e disruptivo continuam a pesar mais na economia europeia do que na americana

 

Sem comentários:

Enviar um comentário