(As eleições ainda estão lá longe e o ambiente jornalístico já começa a ser irrespirável. O síndroma da(o) jornalista alucinada (o) em busca de um sound bite para o seu microfone que, por sua vez, outro jornalista utilizará à procura de uma contradição, encontra políticos dóceis e acéfalos que não resistem a entrar no jogo. E assim se constrói um ambiente estéril de debate político, que nos cansa até à exaustão, sugerindo que para a nossa sanidade mental teremos de ser seletivos naquilo que se pode ver, ler ou simplesmente ouvir. No seio desta insidiosa construção do tempo do debate político, prepara-se já a reconstrução da narrativa do regresso de Passos Coelho, antecipando que Montenegro pode falhar, mesmo que agora apoiado numa reedição nostálgica e algo oportunista (sobretudo para Nuno Melo) da AD incompleta. Uma certa direita, tipo Observador, que tudo fez para que com Passos Coelho dessem certas as reformas socialmente indesejáveis, aproveitando o impulso da Troika, esfrega as mãos de contente, pois sabe de fonte certa que Passos Coelho é o homem certo para normalizar o Chega e, por essa via, alcançar finalmente o poder. Passos é afinal quem está mais à mão para seguir as pisadas de um Macron, aproximando-se vertiginosamente da normalização de uma Frente Nacional. Por isso, vai ser a partir de agora sistematicamente paparicado, recuperado, apresentando como um grande estadista e, sim, resistindo aos apelos de um Salgado em aflição e desatino completo. Nestas condições, há que combater ferozmente esta reconstrução flácida dos acontecimentos e manter o espírito crítico. Este post inicia essa tarefa.)
O universo de Passos Coelho é também o mundo dos Arnaut e companhia e sobretudo o modo insano e incompetente com que as principais privatizações foram concretizadas. As entrelinhas dos vergonhosos contratos que foram realizados para dar corpo à sequência de privatizações sugeridas ou impostas pela Troika mostram que a vontade real não era criar condições de concorrência no mercado mais saudáveis. Afinal o objetivo foi o de criar condições de monopólio insultuosas para o interesse público, de que o exemplo da ANA constitui a melhor referência podendo hipotecar a soberania nacional na liberdade das suas escolhas em matéria de transporte aéreo.
Ontem, para meu espanto, foi referido que o Ministério Público estará a investigar matérias relativas à Comissão Técnica Independente relativa ao aeroporto de Lisboa e percebe-se para quê. Para comunicacionalmente debilitar o que se apresenta tecnicamente sólido como há muito tempo não se registava em termos de fundamentação de uma decisão pública. Cada vez mais respeito o pensamento intransigente de Rui Rio em matéria de Ministério Público e do seu caráter perigosamente instrumental de interesses cada vez menos claros.
Fazer de Passos Coelho um estadista de grande alcance não passará seguramente pelas reflexões deste blogue.
Estou farto de narrativas de recriação de estadistas de saco roto.
Nota final
Para amenizar o ambiente, refugio-me num disco fabuloso, as Lost Tapes de Rudolf Serkin, com duas comoventes sonatas, Waldstein e Appassionata de Beethoven.
Que maravilha, tudo flui.
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